quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Um Pseudônimo Sob o Salgueiro Chorão



A senhora de longos cabelos prateados, trançados e presos num respeitável coque, com suas mãos cobertas por pele alva de papel de seda, com seus olhos já cansados, curvada pelo tempo, como os juncos pela tempestade, voava. Embora ninguém suspeitasse que isso ocorria, a senhora alçava voos magníficos nas asas de suas lembranças, enquanto balançava em sua cadeira, ou quando trocava seus passos vacilantes pelo jardim.

Tocava uma rosa e se lembrava de quantos corações partira em sua mocidade; quantos lencinhos deixara cair por capricho e quantas propostas recusara apenas por não estar de bom humor. Passava a custo por uma ponte e voava para o dia em que finalmente não mais pôde recusar a felicidade insistente e se casou com seu grande e único amor. E revivia a singeleza grandiosa de se ter nas mãos um bebê de bochechas rosadas e olhos curiosos.

Quem a encontrava sempre sozinha, observando o pôr do sol, imaginava-a triste. Ledo engano. A senhora viajava. Já não estava ali, com o crochê entre os dedos. Não! Ela recordava os medos que tivera e as vitórias que alcançara. E se ria com o pânico que tinha do passar do tempo. Relembrava como havia dito ao futuro que fosse gentil com ela, que não a tratasse como tudo o que ele consome, degradando o que antes fora uma bela imagem no espelho. Ela hoje entendia: o tempo não degrada; modifica. A degradação está no significado que damos a essas mudanças. Estava bem: respeitosamente viva; o oposto de tantas outras mulheres com quem convivera.

O tempo leva consigo as pessoas, os amores, a importância daquilo que é dispensável e algumas dores. Outras não. Algumas angústias são para sempre, companheiras que ficam sentadas no canto da sala, emburradas esperando que se dê atenção a elas. Acontece que a senhorinha, a quem julgavam esquecida, tinha resolvido esquecer. Não precisava mais se aferrar a tudo o que ocorrera. "Chega um certo ponto da vida, em que conquistamos o direito de ser mais ou menos o que nos der na telha", ela dizia para si mesma e apertava contra o peito um xale muito surrado, ganho num leilão de quermesse anos e anos atrás.

Sentou-se no banco que mandara fazer sob um salgueiro chorão e recordou o dia em que o plantara. Era para velar o sono do marido e do filho, ela decidira. Passou a mão no peito, como se massageasse um lugar machucado. E voltou para casa, de onde enviava ao mundo livros cheios de encanto e ideias, oculta - ela, seu mundo e suas memórias - sob o pseudônimo de Raíssa Torento.

Beijinhos
Fê Coelho

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Feliz por Tabela. Um texto sobre cócegas na alma da gente.


Todo mundo tem um costume, uma mania e uma forma de agir, ser e sentir. Todo mundo se expressa da maneira que bem entende e acredita ser adequada. Ou não: tem gente que se fantasia de polêmica por puro gosto. Há quem goste de brigar e a galera fã de um paparico. Tem gente abnegada, feliz, carrancuda e gente que ao invés de nascer, resolveu estrear. Cada um com um jeito e uma forma de estar nesse mundão velho e sem porteira. Eu tenho uma mania, leitor querido, e vou confessar: existe cá comigo um costume egoísta de querer ver todo mundo bem.

Eu explico. Ou tento. Algo assim.

Quando vejo alguém próximo de mim feliz, é como se parte daquela felicidade fizesse uma espécie de eco aqui no meu coração; é algo como cócegas na alma da gente. Então começo a me sentir feliz por tabela. E não estou falando de uma daquelas felicidades pálidas, amarelo bebê, do sorriso pra fora. A alegria que me visita, quando vejo alguém próximo de mim feliz, é daquelas do tipo rosa choque com bolinha verde. É uma felicidade escandalosa, que me faz rir sozinha dentro do carro e cantar enquanto corro no parque. Esquisito? Provavelmente. Acontece que as pessoas já decretaram por aí que ser normal está fora de moda. Então vamos pirar e rir, que é pra sorte abrir.

Sempre fui uma pessoa bem-humorada e procuro me manter assim a maior parte do tempo. A verdade é que quando estou de calundum, com a vó atrás do toco, com o ovo virado, com a pá virada ou só mal-humorada mesmo, fico tão chata que nem eu mesma me aguento. Então prefiro estar alegre. Escolho ver as coisas pelo melhor lado e tirar de cada dia, situação ou da relação com as outras pessoas aquilo que houver de bom. Por quê? Pela simples e inegável necessidade de estar bem, feliz e serena. Confesso, leitor, sou uma pessoa movida a sorrisos. Preciso deles para estar bem.

E é nesse sentido que considero egoísta essa mania de querer que as pessoas saiam da minha presença melhores do que chegaram. Preciso - do verbo necessitar muito - sentir que faço bem aos outros.  Isso insere, de alguma maneira, mais sentido nas horas gastas entre acordar e dormir. E sinto muito, se pareço egocêntrica, mas não posso viver sem a impressão de ter plantado boa semente; e menos ainda, sem a expectativa de colher bons frutos.

Gosto de gente que faz planos, que sonha e sorri. Encanta-me a inocência das crianças e sua maneira espirituosa de dizer a verdade sem rodeios, com tanta simplicidade que não há remédio senão rir. Amo olhar para o dia, enxergá-lo colorido e pensar que ele é uma caixa de presente - daquelas com laço de fita - cheia de possibilidades. E acima de tudo, gosto de pensar que levo a paz comigo. Imagino que um pouco dela vá ficando pelo caminho, a cada sorriso que distribuo.

Se tenho êxito, não posso afirmar, leitor querido. Todavia, gosto de pensar que sim. Porque tenho esse costume egoísta de desejar o bem das pessoas à minha volta, de maneira que possa ficar sempre um pouco mais feliz. Sabe o que é? A felicidade dos outros provoca algo como cócegas em meu coração e não posso evitar de ficar feliz por tabela.

Beijinhos
Fê Coelho

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