terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre margaridas, quebra-cabeças e respeito



Engraçado como as coisas simples têm a capacidade de nos ensinar, se estivermos dispostos a aprender. Divertido perceber como a singeleza pode ser sábia, para quem tiver os olhos atentos e o coração preparado para ver. Aconteceu comigo. De novo. Mais uma vez, algo simples e sem importância, a princípio, chamou-me a atenção e ensinou-me algo que há dias venho carecendo compreender: preciso simplificar a vida.

Há um tempo, tenho sentido a pressão para acertar. Acredito que boa parte dessa insistência em ser multifuncional seja originada em mim mesma, embora outra parcela seja decorrente de uma lista enorme a respeito do que se espera das pessoas. Disso resultou uma briga com o tempo, uma ansiedade para que ele se demore e a sensação de que o tique-taque do relógio não passa de chacota. Tentei me entender com o futuro mais vezes do que seria razoável. Busquei encaixar mais atividades do que poderia, numa agenda não muito espaçosa, por assim dizer.

O resultado? Alguns textos, horas de muito matutar (como se eu precisasse de pensamentos extras), ansiedade e uma preocupação exacerbada com o que eu deveria fazer, com coisas que precisaria desenvolver e o padrão em que deveria me encaixar.

Foi necessário comprar dois vasos de margarida baratinha, daquelas que custam três reais no supermercado, para que eu entendesse o quanto estava sendo imatura.

Talvez o leitor já esteja acostumado com essa minha forma de tirar ensinamentos maiores de coisas pequenas. Algumas pessoas até me sinalizaram esse costume peculiar e, graças ao Bom Deus, informaram que gostam disso. O que me faz sentir bem acompanhada em minhas divagações. Afinal de contas, seria meio solitário pensar que há poucos pirados vagando por aí. Voltemos às margaridas.

Elas foram adquiridas para conferir um certo colorido ao apartamento onde estou morando e, embora não sejam flores caras, raras ou glamourosas, me afeiçoei a elas. Ocorre que, devido à minha rotina dos últimos tempos - ou à falta dela - o cuidado com as margaridas se tornou difícil. Ficar fora de casa por quatro dias consecutivos representa a morte por desidratação para as pobres plantas.

Aí veio a constatação: se não consigo mais encaixar no meu dia a dia nem o cuidado com dois vasos de margaridas (ou seja, regar diariamente e deixa tomar um pouco de luz), como espero incluir outras atividades ou relacionamentos em minha vida? A questão é: não vai dar, produção!

Pode parecer derrotista, a constatação. Eu, entretanto, prefiro colocar aí uma lente nova: a da piedade. Prefiro ser compreensiva comigo mesma e aceitar que tenho limitações. Esse é um bom caminho para o respeito.

Quantas vezes as pessoas se tornam escravas dos planos que traçaram? Quantas vezes perdem a vida e as relações que já têm, para buscar aquilo que acreditam dever alcançar? Quantas vezes deixam de perceber a riqueza do que possuem, no afã de conseguir sempre mais e se descabelam numa luta constante com os próprios limites? Tenho cá uma quedinha para esse lado, mas não é esse o meu elã. Não é a busca desenfreada o que me prende à vida.

Não estou aqui defendendo que as pessoas tenham que se acomodar e passar o resto de seus dias aboletadas numa zona de conforto, tendo pena de si próprias até o fim dos tempos. Claro que os desafios são algo importante e absolutamente saudáveis. A conclusão a que cheguei é que se por um lado as conquistas dão sentido à vida, os limites conferem paz. E a paz de espírito é matéria prima de momentos mais felizes, sem os quais qualquer conquista perde o sentido.

Sei que chegará o momento de cuidar das margaridas, conotativamente falando. Sei que há o instante propício para cada movimento da vida. A questão é que muitas vezes a gente é a peça certa; o quebra-cabeça é que está errado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Solta os doces, menina! Um conselho para a vida toda.



Todos nós temos algo que nos incomoda mais que outras coisas. Alguma mania, um defeito, um sonho, um conceito. Não importa muito o que, mas fato é que temos conosco - de maneira mais ou menos manifesta, a depender da pessoa - uma série de pequenos (ou grandes) incômodos. Criatura mediana que sou, também tenho os meus. E recentemente andei ficando particularmente incomodada com uma situação: minha incapacidade para encaixar na minha rotina tudo o que penso que deveria estar fazendo.

Ora, catando daqui e dali, podemos colecionar uma série de atributos que uma mulher de trinta anos deve exibir: ser educada, bem-resolvida, culta, fluente em pelo menos duas línguas, bem-paga, organizada, competente, pós-graduada, prendada, disposta, magra, reluzente, saltitante, sorridente, elegante, fashionista, decoradora, mãe, tia, professora, iogue, zen, pontual, engajada, sexy, capaz de resolver problemas e de gerenciar a casa a uma distância de anos e compromissos-luz, mantendo-se calma, serena, feliz, realizada. Eu disse que querem que a gente seja magra?  Não sei se essa é uma tendência real ou se estamos apenas sob uma influência maciça dos meios de comunicação, com seus rótulos e uma lista infinita do "tem que, pra ser feliz".

Pois sim, eu caí nessa armadilha. Comecei a cobrar de mim um desempenho impossível, o que gerou alguns dias de frustração até o momento em que entendi: uma mulher pode fazer tudo - absolutamente tudo o que se propuser a fazer; mas não pode fazer tudo ao mesmo tempo. Às vezes é necessário soltar uma das pontas, para que se possa segurar as outras com firmeza. Caso contrário, não conseguimos fazer nada direito. E não há mal nisso. É apenas uma questão de prioridades. O que me fez lembrar de um sermão que ouvi há alguns anos.

Disse o Frei Domingos, pároco da igreja que eu frequentava na adolescência - um padre italiano parecidíssimo com o São Nunca de uma campanha publicitária antiga - que certa vez uma criança ficou com a mão presa num pote de doces. Incapaz de retirá-la do recipiente, começou a chorar. O pai veio, avaliou a situação e depois de muito tentar, entendeu o problema. Não adiantaria forçar a situação. Ou se quebraria o pote, ou se machucaria a criança. Sua sugestão: "Filha, solte os doces." A criança teria chorado, porque não queria soltar as guloseimas, mas ao final acabou cedendo e tirou a mãozinha ilesa de dentro do pote. 

Foi sobre isso que me peguei pensando hoje. Quantas vezes enfiamos nossas mãos em potes e tentamos agarrar tudo o que há la dentro? Quantas vezes nos jogamos na vida com essa ânsia de querer tudo para agora, para ontem, para a semana passada? E querer absolutamente tudo! E que angústia é essa que nos faz acreditar que só poderemos ter os doces se eles estiverem bem firmes, em nossas mãos? Acaso o Pai não pode nos dar os doces de outra forma? Ou não podemos pegar um por vez, até que tenhamos esvaziado o pote?

Talvez seja falta de maturidade, querer tudo de uma vez só. Tenho certeza de que pessoas mais vividas, maduras e espertas que eu entenderam que podem priorizar, sem que isso represente uma perda. Escolher o  que se quer fazer no momento é uma forma de administrar as várias facetas dessa arte chamada vida.

Não que o processo ocorra sem algum desconforto. Vez ou outra tenho a vontade de pegar todas as preocupações de volta e passar a agir como se tudo dependesse de mim. Soltar algumas coisas gera angústia. E é nesses momentos que preciso me lembrar da história do pai dizendo pra filha "solta os doces". E entendo o recado: não fique tão preocupada, filha. Vai dar tudo certo. Faça uma coisa por vez, sem desistir e quando perceber terá feito tudo.

E eu vou aprendendo. Aos poucos. Um doce por vez. Em alguns momentos de impaciência tentando checar se posso encher a mão e descobrindo que sim, eu posso, mas isso não há de me levar a lugar algum.

E vou entendendo. Posso fazer tudo, mas não tudo ao mesmo tempo.

"Solta os doces, filha. Confia."
"Tudo bem, Pai. Eu confio"

Que todos tenham um dia de paz
Beijinhos
Fê Coelho
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