segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Ela sorriu. Deve estar tudo bem




Ela sorriu.
Há um tempo ninguém via um sorriso novo, mas agora ela sorriu. Deve estar tudo bem, certo?

Claro. Ela está feliz. Sente-se plena e realizada e tudo está funcionando perfeitamente. Ela quer que você saiba que tudo está em seu lugar e que os dias são azuis. Há flores nos vasos, luz entrando pela janela e fazendo com que os grãos de poeira dancem ao som de uma música feliz. Ela está bem, acredite e siga. É o que ela quer.

Ela se penteou e mostra a maquiagem impecável. Acredite, ela está bem. E pare de se perguntar se é mesmo verdade. Simplesmente se convença e quem sabe ela também o faça.

Porque a bem da verdade é mais simples dizer que sim, a vida está nos trilhos certos. As nuances são difíceis de explicar e as pessoas são apressadas. Nem todas as palavras estão engatilhadas e prontas para traduzir o que nem ela mesma entendeu. Então, para todos os efeitos, acredite no sorriso que seus olhos viram.

Afinal de contas, o tempo é escasso e ela anda cansada. Não quer fornecer entediantes explicações multifacetadas sobre suas inconstâncias. Tampouco está interessada em elucidar o que mudou e o que se mantém. Ela está tão cansada... Apenas deixe que ela sorria e não pergunte nada.

Seja gentil e aceite um sorriso sem elucidação. Isolado. Da moldura para fora. Sem pretensão. Sem intenção. Sem motivo. Sem a necessidade de resposta. Apenas um sorriso gêmeo de tantos outros que já foram. Explicações são coisa cansativa - enfadonha, até - e ela não quer dizer mais nada. Ela não tem o desejo de enumerar fatos, nem listar pensamentos. Vivê-los é o bastante.

Houve um sorriso e haverá outros, mas cuidado com as inferências. Quem sabe ela esteja se convencendo daquilo que parece ser. Superfície tranquila e, abaixo dela, as turbulências. Ela é boa nisso de ser forte, afinal. Ou nada disso. Vai ver está realmente tudo bem. Ela nunca prometeu ir além dos fatos.

Os fatos, as fotos e os sorrisos são de quem os testemunhe. Os sonhos, o sentir e a vastidão do mundo que se encerra dos lábios para dentro são dela. Somente dela.


Fernanda Coelho.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

De carona - uma crônica sobre a felicidade do outro.




Já sentiu uma felicidade descarada, desmedida e meio doida? Já misturou lágrimas e sorrisos na mesma feição e ficou meio sem conseguir explicar o motivo? Já experimentou uma alegria daquelas de cor berrante, com estampa de bolinha? Já? E já provou a loucura que é sentir tudo isso pela felicidade de outra pessoa? É o que eu estou sentindo agora, leitor querido. Uma amiga vai se casar amanhã e eu não poderia estar mais feliz!

Entendo que possa soar estranho, isso de ficar tão feliz por uma realização que não é minha. Não sou eu quem vai envergar o vestido, nem carregar o bouquet. Não há nenhum príncipe à minha espera e não, não há trilha sonora de filme de comédia romântica separada para a escritora aqui. Às vezes a vida da gente vira uma bagunça só e não sobra muito espaço pra comemoração. São fases, claro. Toda boa mudança mexe em algumas gavetas. A parte boa é: tanto faz o número de perrengues com os quais estejamos lidando, sempre há motivos pra gente se alegrar. Eles estão lá, se a gente tem olhos pra ver. A felicidade alheia é um carro em movimento e devo dizer: nada nos impede de pegar uma carona.

Sabe, leitor, a alegria do outro pode ser - e muitas vezes é - uma fonte de felicidade para nós. Ver o outro feliz significa a vitória do amor e da esperança sobre esse mundo duro. Enxergar o triunfo no olhar do outro me faz saber que não importam as dificuldades (todos as tivemos, temos ou teremos), um dia tudo vira júbilo. Tudo é passível de transformação e de ser transmutado em aprendizado e alegrias futuras. Porque a vida pode ser bem generosa com quem vive pelo amor.

 É clara a memória do dia em que eu abri a boca e disse "você sabe que vai se casar com ele, né?". Não que eu queira me gabar por ser uma boa apostadora, mas estou absurdamente feliz por ter acertado. Estou transbordante por ver que todo o sentimento que eu presenciei foi capaz de se fortalecer, lançar raiz, superar limites e frutificar. Estou enlevada por saber que enxerguei certo, que é mesmo amor a ternura que vi nos olhos dos dois. É bom reconhecer a nobreza de intenção, de atenção e a sublime ação de Deus na vida de quem ele ama.

A felicidade de quem a gente ama faz algo como cócegas na alma da gente. Traz um sentimento bonito de ser feliz pelo outro. Prova a existência de saída para as lutas do cotidiano. Esfrega na cara da gente que entre os semáforos fechados, as buzinas soando, os prazos findos, as promessas quebradas e as infinitas crises em mil esferas desse mundo, tem gente sendo feliz sim, senhor! E saber disso é fundamental.

Poly e Fábio, sejam felizes. Tanto quanto possam; nunca menos que isso. Estejam juntos e continuem construindo essa história linda, de encher os olhos da gente.

Um beijo gigante da Dinda.
Fê Coelho.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Das gavetas



Alguns textos, confesso, foram destinados às gavetas. Alguns escritos são meus, tão profundamente meus, que se recusam a conhecer as pessoas. São palavras que não cabem na vastidão do mundo interior, que se perdem na agonia de não ser e acabam rompendo caminho dedos afora. Mas feito isso, simplesmente não sabem mais pra onde ir.

Ah! mas essas palavras, atrevidas e melindrosas, se fazem escrever só para se afirmarem; só para mostrar quem manda mais. E depois de escritas se fecham num silêncio devoto, numa timidez infinita, e acabam se escondendo atrás de um outro texto qualquer.

Ah! Se elas aceitassem o olhar do outro... Ah! se decidissem passear gaveta afora. Quem sabe seriam mais felizes, quem sabe mais leves. Quem sabe encantassem mais que outras. Porque são belas. Como são belas, as danadas! Escritora desonesta? Não creio que seja esse o caso. Talvez sejam as palavras que são honestas demais, puras além da conta, desprovidas da couraça de conveniência que vai bem com esse mundo. Talvez sejam palavras em carne viva, que simplesmente estão desprotegidas demais para enfrentar o espaço além da gaveta.

Todo escritor, creio eu, tem seus textos frágeis. Todo mundo tem suas palavras de fio desencapado, prontas pra ferir. E todo mundo tem suas linhas tortas. Cada pessoa guarda sua coleção de verdades inconfessas, de mágoas bem acolhidas e de sonhos embrionários que precisam de proteção.

Todo mundo tem uma parte de si que se mostra e uma que se oculta. Uma verdade que se encolhe e outra que se espreguiça. Cada um tem sua névoa, sua quota de bruma. E somente alguns - os mais brilhantes, os mais libertos, os mais ousados - conseguem trilhar seu caminho para além de tudo isso.

Parte de mim inveja essa capacidade; outra parte comemora. Parte de mim admira, outra parte se atemoriza.

E sinto-me gestante dos textos que não querem nascer.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Sobre Quebra-cabeças e a Vida

Dia desses, pensei que viver é algo como montar um quebra-cabeça sem nunca ver o desenho na caixa. Peça vai, peça vem, a gente vai montando os dias sem nunca saber ao certo o que vai ser. Podemos imaginar, supor, tentar prever. Todavia, o desenho completo, colorido e rico, só nos é apresentado lá bem longe,  onde a vida faz a curva.

Não nos é dado antecipar o quadro pronto; apenas uma pecinha por vez. Um dia, um sorriso, um encontro, um curso, uma decepção, uma coisa de cada vez. Cada novidade, uma peça que tentamos encaixar sem saber muito bem a que parte do todo ela pertence.

E assim vamos vivendo, comemorando cada parte que se encaixa e lamentando tudo aquilo a que não conseguimos dar sentido.

E nesse ponto vale a experiência daqueles cujos quebra-cabeças já estão mais adiantados: algumas partes não se ajustam agora, mas logo se adaptarão. Vale entender que alguns momentos parecem desconexos pela falta do que ainda virá,  do que trará o sentido a esse desenho parcelado a que chamamos vida.  Vale compreender a arte da espera, a habilidade de não insistir na peça que teima em não servir. É necessário entender o processo e saber que tudo tem o lugar e o momento oportuno.  A gente só não sabe qual é ele. Pelo menos não até que a conexão se apresente.

E não adianta tentar se guiar pelo quebra-cabeça do vizinho. O desenho dele é outro, com cores diferentes e pedaços diversos.  Ele não é mais bonito ou menos interessante; é apenas feito para outra pessoa. E, exatamente por isso, seria uma tolice sem tamanho montar a sua vida como se fosse a de outro alguém.

Talvez a tal felicidade passe por isso: encaixar cada peça da vida com alegria,  na certeza de se tratar de um momento único.  Porque a cada pedaço da vida que juntamos, solidificamos o passado. E esse, meu bem, não muda nunca.

O que quero dizer é que,  no fim das contas, não há garantias. Nunca houve. Tudo o que sabemos é que vivemos de não saber. Nos arriscamos na expectativa de que, afinal, sejamos um desenho bonito. E que nossa vida seja um quebra-cabeça que valha a pena ter sido montado.

Beijinhos
Fê Coelho.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Sem parar


 O mundo não para,  é o que dizem. Óbvio em certa medida; cliché, até.  Todos sabemos disso, embora só venhamos a experimentar essa realidade quando gostaríamos que ele parasse.
O mundo não para. Por ninguém, nem para ninguém. Ele não para para assistir às grandes tragédias, nem aos pequenos dramas. E não diminui o ritmo para que se aliviem as dores ou se celebrem as vitórias.
O tempo vai.
A vida continua a florescer e a se esvair. Pessoas se encontram e se perdem. Laços se criam e se desfazem e o mundo continua. As buzinas soam, os despertadores tocam, a bolsa de valores sobe e desce, as agendas se cumprem.
E lá se vão os dias .
Porque a vida é algo que,  contrariando todo nosso sentimento de proteção do ego, acontece apesar de nós.  A vida segue. Ela sempre continua o seu curso. Ela não pode esperar que tenhamos revisado todas as boas e más notícias para acontecer. O presente urge em ser passado. Assim como o futuro insiste em se tornar presente.
E dessa forma os passantes seguem ruminando suas questões, enquanto vão vivendo. E vão juntando seus pedaços da melhor maneira possível - entre uma reunião e outra, entre um e outro momento. 
Porque o mundo, ah!, esse não para nunca.
Então talvez o processo de se refazer seja algo como o de pegar folhas caídas numa grande avenida: recolher o que for possível enquanto o semáforo estiver fechado. Talvez a gente se refaça entre um carro e outro, aos sopetões, ou talvez com calma, juntando aqui e acolá o que for possível.  E a gente se refaz sabendo que algumas folhas o vento sempre leva consigo.
E o segredo pode estar em deixá-las ir para que se possa juntar o restante.
O mundo não para nem pela dor, nem pelo amor. O mundo não para, não volta e nem se adianta. Ele simplesmente nos oferece a inacreditável oportunidade de seguir com ele e ver o que acontece depois.
Ora, e o que é a vida, senão um grande convite?
Beijinhos
Fê Coelho.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Golias - uma crônica sobre esperança.



Existem algumas histórias - para alguns, alegorias - que se nos apresentam sem pedir licença e servem para iluminar o dia. Acontece o tempo todo, mas a gente só se dá conta disso quando está atento. Aconteceu comigo. Outra vez. Pensei hoje que todos temos, cada um a seu modo, o nosso Golias. Todos temos assuntos, situações, manias ou perrengues diversos que amiúde se avultam e parecem maiores do que aquilo com que podemos lidar. A gente olha para a situação e se percebe pequeno, Davizinho da Silva; respira fundo e pensa: lascou. A parte boa é: não lascou coisíssima nenhuma!

Uma funda e sua crença, foi tudo o que Davi usou. Uma ferramenta pequena e um Deus infinito. E isso pode se aplicar a tantas áreas de nossa vida, quantas quisermos. Os problemas existem. Todos os dias somos apresentados a uma gama deles e nem precisamos procurar: aguardemos e eles virão. A questão é que eles se tornam tanto maiores quanto maior for o nosso medo. Os obstáculos se tornam tão mais altos, quanto mais paralisados ficarmos. Essa é a questão.

Acredito que ninguém faz algo grande assim, de uma vez. As pessoas vão fazendo pequenas coisinhas todos os dias até terem conseguido fazer uma coisona. Vão tirando pedra por pedra e, ao final transpõem uma montanha. Tudo passa pela fundamental e difícil decisão de começar e não desistir. 
 
Às vezes, a gente se queixa de ter poucos recursos para lidar com determinadas situações. Falo por mim. Os problemas parecem bem maiores do que aquilo de que dispomos para liquidá-los. Mas pior que a falta dos recursos é a recusa em utilizar aqueles poucos de que se dispõe. 

Uma ferramenta pequena e a disposição para usá-la. Um Deus zeloso à frente e lá se foi o gigante por terra. 

Uma mudança de hábito, uma decisão minúscula, um passo na direção dos nossos sonhos e a decisão de usar os recursos de que se dispõe. As montanhas passam a ser apenas uma sucessão de pedras; as distâncias, um linha de muitos de centímetros e o futuro algo que construímos todos os dias, cuidando de cada segundo do presente. 

É isso. A cada Golias, a sua funda cravada na testa. A cada desafio, o nosso empenho. A cada momento de receio, nossa entrega e o nosso viver pela fé. E sigamos sempre.

Beijinhos,
Fê Coelho.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Cartas para Ninguém - Felipe e a Vó


Oi Vó.

Choveu aqui hoje. Eu sei que essa não é uma informação que vá modificar o seu dia, mas mudou o meu. A chuva caiu e me lembrei da senhora, com aquele croché infinito nas mãos, olhando pro pasto molhado e se preocupando com as galinhas e as mil goteiras do galinheiro. Aí deu uma saudade sem tamanho e resolvi escrever.

As coisas por aqui são mais ou menos o que eu esperava. A gente estuda, trabalha, se embriaga umas cinco vezes por semana. Às vezes três. Esquece essa parte, Vó. A gente não se embriaga, mas diz que sim, que é pra manter o moral. Na verdade, eu vivo com um livro na mão e me mato de trabalhar na lanchonete, pra receber uns trocados.

Eu pensei que fosse ser mais fácil. Pensei que a vida dos rodeios não fosse me fazer falta. Achei que nunca me arrependeria de bater o pó das botas e ir me encher de manias da cidade. No fundo a gente sempre se ilude um pouco, né? Mas me disseram que a caneta é mais leve que a enxada e eu acreditei. De fato ela é, Vó. O que pesa é essa saudade enorme do tempo em que eu podia apenas estar; de quando eu tinha tempo de ver a vida. O que pesa é a falta que me faz aquela risada que nós deixamos de dar, as discussões que deixamos de ter. O maior fardo, Vó, é o tempo que não aproveito ao seu lado.

A vida tem dessas coisas, eu acho. A gente vive escolhendo e se agarrando às escolhas que faz. Algumas delas são levinhas e a gente traz elas penduradas no canto do sorriso. Mas outras são como aquelas toras que a gente buscava pro fogão de lenha - pesadas e desconjuntadas; difíceis de carregar, mas úteis afinal.

Estou me esforçando, Vó. Logo, logo eu vou ter dinheiro para reformar o galinheiro.

Me espere para o natal. Chego uns cinco dias antes. Mentira. O dono da lanchonete me confisca o fígado se eu fizer isso. Chego provavelmente na véspera de natal, levando comigo uma cesta básica, as guloseimas que a senhora tanto gosta, uma garrafa de cidra (que a gente vai bebericar devagarinho, pra sentir as bolhas estalando na língua) e todo o meu amor.

Com carinho,
Felipe.
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