terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Penúltimo



- Isso é cara para se comparecer ao fim do mundo? - pensou Marilu, enquanto se olhava no minúsculo espelho do quebra sol, acima do volante de seu carro financiado até o fim dos tempos.

Ela já estava cansada de aguardar os finais - da faculdade, da semana, dos domingos na casa da sogra, do jogo de futebol narrado pelo Galvão e embalado pelos gritos de Chupa! da vizinhança inteira. Já estava cansada de ansiar pelo término do financiamento do carro, e das prestações que fizera para os armários novos da cozinha. A verdade é que Marilu estava exausta!

Olhou-se novamente no espelho, observou que suas olheiras já estavam quase sendo promovidas a "queixeiras", sacou um corretivo da bolsa e tentou ajeitar o estrago. Começou pelo olho esquerdo. Quando ia corrigir o lado direito, lembrou-se do cachorro da vizinha que havia latido a noite inteira e que era tudo culpa dele, se ela precisava usar seu corretivo novinho da M.A.C. numa quinta-feira pela manhã.

Quinta-feira, dia vinte... Ela estava esquecendo de alguma coisa... vinte de dezembro... Ah, droga! Estava atrasada para a consulta com a nutricionista. Havia perdido dois quilos na primeira semana e engordado três nas semanas seguintes. Deixou o corretivo de lado, engatou a primeira marcha e saiu praguejando até o consultório, certa de que aquela magricela impiedosa da Dra. Alice (recalque, é verdade) chamaria sua atenção para o ganho de peso. O que a nutricionista sabia das coisas, afinal? Ela não tinha dois filhos em idade pré-escolar, que iam a um aniversário cheio de guloseimas por semana. E não tinha um marido muito amado, chamado  Mário Henrique, que fazia a melhor picanha do mundo aos domingos e que a deixava com tanta raiva nos outros dias da semana, que ela explodiria se não comesse um chocolate.

A consulta foi como ela imaginava. Com muito jeito, a Dra Alice pontuou a necessidade de estabelecer um padrão alimentar mais saudável, com a introdução de fibras e alimentos crus, integrais, desnatados, com pouco sódio, naturais e inacessíveis. Explicou que seu índice de massa corpórea estava aumentando e afirmou ter certeza absoluta de que Marilu conseguiria se manter saudável. Afinal de contas, ela tinha dois filhos pequenos e precisava se manter bem para criá-los.

Ah, meleca! Os filhos. Já estava atrasada para a reunião da escola, evento esse que iniciava o período de maior terror na vida de Marilu: as férias escolares. Com quem ela deixaria os dois filhos? Como encaixaria um mês de atividades para os gêmeos? Arrumaria uma colônia de férias, uma babá, um milagre, duas avós, três tias e um atestado médico por insanidade mental. Afinal de contas, não poderia levar os garotos para o Fórum.

Céus! O Fórum! Teria uma audiência complicadíssima naquele dia.

As coisas não estavam indo muito bem, ela pensou. Talvez devesse conseguir uma passagem só de ida para Marte, já que as coisas por aqui acabariam em um dia. Às vésperas do fim do mundo, tudo o que ela queria era o fim daquele fotoperíodo. Estava um trapo. Um farrapo de gente. Morta com farofa. Na lona. Acabada. Só o pó da capa, entre outras formas pra dizer que se precisa de uma ida ao salão urgente.

Dezessete horas e quarenta e cinco minutos. Ela ligara para Mário Henrique, avisara que as crianças eram todas dele. Explicou que havia comida na geladeira, roupas no armário dos gêmeos, água no chuveiro, um microondas ligado na tomada e uma esposa ameaçando entrar em autocombustão se não separasse duas horas de prazo para si. Ou três. Ficaria loira, faria as unhas, a sobrancelha, o buço, leria todas as revistas de fofoca do mundo inteiro e quem sabe quisesse uma massagem. Ou não. Talvez ela nem soubesse dizer seu nome completo àquela altura dos acontecimentos.

Voltou para casa. Os gêmeos assistiam Discovery Kids pendurados no lustre da sala. Exagero, ok, mas pulavam no sofá. Havia um prato de brigadeiro na mesa e um Mário Henrique muito concentrado atrás da coluna de esportes do jornal. Foi para o quarto. Quando olhou-se no espelho, quis chorar. O cabelo ficara ótimo, a sobrancelha também. Mas ela passara o dia todo com apenas um lado do rosto sem olheira. Corrigira somente o lado esquerdo. Sentia-se mono-olheira-à-direita. As lágrimas se formaram. Ia desaguar todo o cansaço ali mesmo.

Foi quando sentiu um par de braços a envolver-lhe a coxa. Um dos gêmeos a olhava de baixo pra cima, com cara de adoração e um sorriso de derreter qualquer pessoa.

- Mamãe linda! - ele de derramou em admiração.

E Marilu jogou fora toda sua contrariedade. Com ou sem olheiras, ela era muito amada. E se o mundo acabasse amanhã, como os malucos apregoavam por aí, ela estaria linda, loira e feliz.

- Quem quer acampar na sala? - ela gritou e se atirou para cima dos filhos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Quando o pano cai: reflexões sobre respeito e ideias afins



Respeite as diferenças, a individualidade, os limites, os horários, os superiores, os subordinados. Respeite as crianças, os adultos, os mais velhos, os idosos. Respeite as crenças, os sentimentos, a opinião, a escolha e a orientação. Saia respeitando tudo o que encontrar pela frente, mas não se esqueça, por favor, o que significa essa palavra.

Sinto que andaram subvertendo o que seja o respeito. Esqueceram em algum recanto isolado os sinônimos como consideração, apreço e atenção, para em seu lugar colocar uma política de panos quentes e línguas afiadas. Substituíram a deferência pela aparência e passaram a abusar da tolerância.

Tolerar é admitir opiniões diferentes e até diametralmente opostas àquilo em que se acredita. É aceitar que nem todos são um espelho da imagem que fazemos de nós mesmos. É compreender que cada pessoa tem um modo de agir, crer e, portanto, um conjunto de características que lhe são próprias - nem melhores, nem piores, apenas próprias.

Respeito não é o mesmo que conviver bem. Não equivale a dizer palavras bonitas para que os outros vejam ou para os momentos em que as circunstâncias são propícias. É algo que vai muito além disso e que passa por princípios, ética, caráter e pela verdade. É muito fácil dizer que se respeita alguém: junte meia dúzia de palavras bonitas, dois elogios convenientes, um tapinha nas costas e pronto!

Acontece que estou falando de algo muito maior que isso, leitor querido. Quando penso no assunto, não posso evitar a constatação de que os atos são apenas a materialização dos valores, dos pensamentos e daquilo que há no íntimo de cada pessoa. Ora, se um ser humano é capaz de menosprezar o trabalho de outro, não será porque se considera superior? Se é capaz de diminuir seu semelhante e tecer comentários ácidos apenas para se divertir, poder-se-ia dizer que seus pensamentos são pautados por doçura e empatia?

Todas essas reflexões me fizeram lembrar de uma frase que ouvi durante a minha adolescência e que me acompanha até hoje: "o que tu fazes fala tão alto, que não posso ouvir o que tu dizes".

E é nesse ponto que cada um mostra aquilo a que veio, leitor. O respeito não é algo que se exerça apenas em público. É um modo de vida, uma forma de sentir e ser; uma prática que não dignifica apenas o objeto do apreço, mas principalmente aquele de quem ele parte.

Se as atitudes falam tão alto assim, a ponto de nos tornar surdos a todo discurso vão, o respeito traz à luz uma palavra um pouco esquecida e meio fora de moda: honra - uma coisa absolutamente pessoal e que se traduz por aquilo que se faz quando ninguém mais está assistindo. Porque todo personagem é apenas gente, quando o pano cai.

Beijinhos
Fê Coelho

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sabe a vida? Algumas reflexões sobre sucesso.



Sabe a vida? Aquela sucessão de dias, acontecimentos, sonhos, o que foi e o que não foi, o que se pensa que deveria ter sido e aquilo que se espera que seja, sabe? Ela pode ser bem bonita, se olhada com o filtro correto.

Tenho visto muitas pessoas se julgarem um fracasso pelos motivos errados. Tenho observado que amiúde, o sucesso no campo profissional tem sido parâmetro para definir o quanto os dias têm valido a pena. Não discordo de quem avalia os fatos por esse prisma; o campo profissional é algo importantíssimo em nossa vida, afinal. O que me deixa intrigada é a definição que se tem dado para sucesso e a exclusividade com que se separa o campo profissional como parâmetro.

Ora, se uma pessoa define como meta ensinar uma turma de quatro anos a escrever o próprio nome em letra de forma e consegue isso, quem dirá que não houve sucesso? Se um homem decide plantar uma horta, colher, vender o produto do seu trabalho e, com isso, manter sua família, será considerado sem sucesso por não exportar alimentos? E mais, uma mulher que consegue conquistar o mundo inteiro e não consegue uma boa comunicação com os filhos, será assim tão poderosa?

Estes são apenas pensamentos que me ocorreram agora há pouco, quando encontrei uma série de cartinhas, desenhos e mimos diversos que minhas filhas têm me entregado ao longo do tempo. Esses são tesouros que fazem com que eu me recorde quem sou e por que tenho feito boa parte das coisas que faço. Estou falando de afeto, leitor querido. Estou falando de um amor tão grande que é capaz de dar sentido à vida. Estou falando de um objetivo claro: o de ser uma boa mãe para essas duas crianças que Deus me confiou e por quem eu seria capaz de me superar todos os dias. Isso para mim é sucesso.

No meu ingênuo entender, o sucesso é algo que se pode encontrar nas menores coisas. Pode-se vê-lo na maneira como se constrói uma amizade, na forma como se relacionam as pessoas, no "bom dia" que se deseja. Tudo depende da intenção, da inclinação do pensamento. Tudo parte daquilo que se traçou por meta.

São as metas, o que guia nosso agir. Talvez aí esteja o cerne de todas as coisas, sobre as quais refleti nesse breve momento - entre ver os traços infantis de minhas filhas e traduzir de maneira superficial a infinidade de sentimentos e impressões que se pode experimentar nessas horas. Entendo que o estabelecimento de metas seja condição sine qua non para se definir sucesso. Até porque o êxito tem como precursores o objetivo, a perseverança, a sabedoria e a esperança.

Estabeleci como meta me orgulhar de minha vida, dos meus dias e do amor que entreguei aos que me são caros. Defini como objetivo poder, lá na velhice, ter anedotas cheias de encanto para contar. Escolhi passar a vida pelo filtro da ternura, para depois guardá-la comigo, como um álbum de retratos que faz sorrir a todos que o olham. Por que, sabe a vida, aquela coisa que temos e que é nossa responsabilidade? Ela pode ser bem bonita, se olhada pelo seu melhor ângulo

Beijinhos
Fê Coelho

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Pausa criativa - um momento de aprendizado



Escrever é metade o que você diz ao mundo e metade o que você ouve dele. É uma espécie de conversa contínua com o que existe e com o que se imagina, um equilíbrio constante entre doar e receber; um toma lá dá cá que embala os pensamentos e permite que os sonhos se mostrem. Não que seja fácil ou indolor. Muitas vezes escrever é um revisitar de conceitos, fatos, expectativas, dores, alegrias e frustrações.  Outras vezes não é nada disso. Escrever pode ser apenas uma forma de apascentar palavras irrequietas, traduzindo leveza, mansidão e boas ideias.

Fato é que acredito ser fundamental a existência de pausas entre os períodos de doação. Se uma pessoa só pode falar daquilo que transborda em si, não creio que bons textos possam sair de criaturas exauridas, estressadas e vazias de sua própria companhia. Sou do tipo que não consegue escrever nem o bê-a-bá, se estiver saturada com pensamentos gastos e rotos pelo uso excessivo. Minha mente funciona como uma espécie de mola, que precisa de pequenos alívios, momentos em que eu reduzo a pressão, para que as ideias se renovem.

E foi por isso que eu instituí para mim mesma pequenos momentos do que eu chamo de pausa criativa. Descobri uma coisa recentemente: sinto saudades de mim mesma. Sinto falta de estar em minha própria companhia, em silêncio, apenas observando as pessoas, os lugares, ouvindo os sons, me atentando às mudanças de luminosidade e temperatura. Necessito de instantes para me ligar aos meus próprios pensamentos, sem a necessidade de transmiti-los a ninguém. Preciso me levar para passear, para jantar ou o que quer que seja. Isso me refaz, me alimenta e me coloca de volta nos trilhos.

Hoje fui ao parque. Sentei-me próximo ao lago artificial e observei. O vento fazia pequenas marolas na água  refletindo o ocaso. Havia várias pessoas correndo, conversando e rindo. Todas alheias a mim e eu retribui agradecida o favor. O que na verdade me encantou foi observar os patos, que já se iam recolhendo sabe Deus para onde. Nadavam todos eles em fila indiana, grasnando, batendo asas e enchendo o fim de tarde com esse barulho que, naquele momento, para mim, representava a própria tranquilidade. Respirei, senti a temperatura caindo de mansinho, sorri. Encaixei uma ou duas ideias e pensei que todas as pessoas acabam por seguir o seu curso. Ora, ninguém diz aos patos o que fazer. Ainda assim, eles o fazem.

Acredito sinceramente que cá dentro de nós existe algo que nos diz em que fila devemos entrar. Creio que de alguma maneira, todos encontramos nosso rumo, nossa rota e aquilo que nos fará feliz. Não consigo deixar de lado a crença de que para cada um há o momento propício, a forma adequada e um destino certo. Alguns chamam isso de coincidência. Eu gosto de chamar de a Mão de Deus.

Beijinhos
Fê Coelho

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Eu e a Julieta




Sem querer menosprezar todas as descobertas científicas feitas até hoje, preciso dizer que conheci uma nova força da natureza. Seu nome? Julieta – criatura imaginária e imaginativa, notívaga por capricho, geniosa por não saber outra forma de ser, pan-polar porque acha que ser bipolar já está meio fora de moda, leitora compulsiva, criativa por nascença, carente por parte de pai, exigente por parte de mãe, detentora das minhas ideias e determinada a fazer de mim o que bem quer.

Descrever o aspecto físico da Julieta é tarefa quase impossível, porque ela muda como o formato das nuvens. Para ser mais específica, acho que nunca soube qual é a sua verdadeira aparência. Algumas vezes, a danada me aparece aqui em casa usando um vestido justíssimo de tecido brilhoso, com cabelo ruivo ondulado, luvas sete oitavos e delineado nos olhos; outros dias ela surge do nada, pulando feito uma pipoca, com cabelo preso num rabo de cavalo, short jeans desfiado e tênis, mascando chiclete e gesticulando feito doida. Já quis ser velha, já virou criança. Já cismou de usar vestido longo de época e citar Jane Austen. De tudo ela já fez, exceto se conformar.

Quando a Julieta resolve que é hora de escrever, eu que me vire, porque não há forma de convencê-la do contrário. Meia noite, duas horas, cinco da tarde, não importa. Às vezes ela sai de algum passeio e pensa “bem que eu poderia ir ver a Fernanda”. E me acha, onde quer que eu esteja, não importa a atividade, a disposição ou o estado de espírito. Quando a Julieta decide que é hora de produzir, é uma loucura.

Acontece que ela está pouco se lixando para o mundo dos adultos. Não quer saber se eu estou trabalhando, comendo, andando de metrô, dirigindo ou cambaleando de sono. O que ela quer é ser ouvida. E obedecida. Aí começa a jogar todas as ideias de uma vez  no chão. Abre todas as minhas gavetas mentais e eu que me vire pra lidar com a bagunça. Vou catando daqui e dali algum trecho, uma fala, um pensamento e juntando tudo até formar um texto - que ela avalia, corrige, comenta e depois aprova -ou não.

Há dias, entretanto, em que ela se esconde. Sai para um passeio com a Dona Expedita, vai às compras com a Isaura ou simplesmente sai andando por aí, observando as pessoas, os lugares, as paisagens e tendo ideias. Nesses dias, posso procurar o quanto queira, a Julieta simplesmente não aparece. Só lá pela meia noite, quando eu já desisti de implorar e estou pronta pra dormir. Aí eu digo que estou cansada e preciso de repouso. Ela me olha com uma cara de cachorro que caiu da mudança, dá duas ou três piscadinhas e explica que teve uma ideia ótima - uma que pode não estar disponível quando o dia amanhecer.

Nem preciso dizer o que acontece em seguida, não é? Sou uma alma fraca, leitor querido. A Galera Aqui de Casa - essa maloca de personagens doidos, geniosos e absolutamente adoráveis - me tem nas mãos e trabalha comigo como quem brinca de massinha.

Beijinhos
Fê Coelho

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Escrever, por quê? Um texto sobre tempos bicudos



Se existe uma expressão que me tem procurado várias vezes, desde que me propus a escrever, é o tal do porquê. Com frequência maior que o razoável, surgem-me questionamentos acerca dos motivos para se fazer ou não algo. São dúvidas que surgem em diferentes momentos, por variados motivos e, não raro, vêm do convívio com os amigos, de alguma conversa ou pergunta direta.

Dentre essas questões, uma me intriga em especial, provavelmente pela minha incapacidade em respondê-la: por que escrever?

Em mais de um momento e por mais de um motivo, essa pergunta já me atazanou o juízo, fez perder a fome, o sossego, a concentração e, ainda assim, não tenho uma resposta. Sinto que escrever é como colher palavras: tal qual frutos no campo, elas estão disponíveis para quem as queira usar; entretanto, perecem. Imagino se isso possa estar relacionado à massificação das ideias, que a bem da verdade são a raiz de tudo quanto se escreve.

Enfileirar as letras, utilizar a gramática e criar um estilo que lhe seja próprio parecem-me as partes menos dolorosas do processo de criar um texto. O complicado é ter o que dizer. Talvez nem isso seja o mais difícil. Quem sabe o cerne de toda escrita seja a coragem de dar forma ao entendimento. E mais: creio que o fundamental seja assumir as próprias opiniões, sendo fiel, verdadeiro, justo, compassivo e, ai sim, viver de acordo com o que se acredita.

Convenhamos: numa época de padronização do pensamento, em que as pessoas tendem à superficialidade nas relações, discursos, atitudes e valores, encontrar quem queira refletir é cada vez mais raro. Numa de suas letras, o cantor Almir Sater - por cuja música eu sou absolutamente fascinada - diz "muita gente dá lição com cultura de almanaque". Não discordo. E nem digo que estou isenta. Talvez esse seja o ponto em que volto à pergunta que originou todo o texto: por que escrever?

Sinceramente, leitor, não sei. Continuo sem conseguir acessar essa resposta. Tenho alguns motivos que movem, como a necessidade de organizar o raciocínio, a inquietude da mente e algo como um "transbordar de vida" que me impele a colher palavras e colocá-las dispostas de uma maneira mais ou menos inteligível.

Escrever me faz bem. É a vida tentando virar arte, de um jeito pouco linear e muito pessoal. É o pensamento  atrevido e irrequieto querendo a todo custo ser página. É uma personalidade que do lado de cá da tela não se contém e pula a janela, foge da mente, se esvai pelos dedos, digita e se expõe. São as palavras, esses grilhões tão efêmeros quanto bolhas de sabão, aos quais nos atrelamos voluntariamente.

E se é verdade que tudo já foi feito, dito, pensado e escrito, perdoe-me o leitor por entregar mais do mesmo. São tempos bicudos.

O meu sincero agradecimento a todos pela companhia na iminência dos 50.000 acessos.
Beijinhos
Fê Coelho




terça-feira, 16 de outubro de 2012

Feitiço Mais que Medonho



As crianças na enfermaria estão trabalhando a temática do Halloween. Eu não resisti e escrevi um poema para alegrar a tarde da galerinha


Feitiço mais que medonho

Dente de tubarão
Pata de morcego
Que eu faça injeção
E nenhuma criança tenha medo

Rabo de lagartixa
Cara de sono e de tédio
Que nenhuma criança dê birra
Na hora de tomar remédio

Casca de ferida
Mistura tudo e já era
Que todas essas crianças demorem pra arrumar paquera

Dragão sem dente
Asa de barata falta
Que nenhum paciente hoje saia de alta

E que tudo seja sempre assim
Noite e dia
Que nossa enfermaria seja uma alegria sem fim

Beijinhos
Fê Coelho

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre margaridas, quebra-cabeças e respeito



Engraçado como as coisas simples têm a capacidade de nos ensinar, se estivermos dispostos a aprender. Divertido perceber como a singeleza pode ser sábia, para quem tiver os olhos atentos e o coração preparado para ver. Aconteceu comigo. De novo. Mais uma vez, algo simples e sem importância, a princípio, chamou-me a atenção e ensinou-me algo que há dias venho carecendo compreender: preciso simplificar a vida.

Há um tempo, tenho sentido a pressão para acertar. Acredito que boa parte dessa insistência em ser multifuncional seja originada em mim mesma, embora outra parcela seja decorrente de uma lista enorme a respeito do que se espera das pessoas. Disso resultou uma briga com o tempo, uma ansiedade para que ele se demore e a sensação de que o tique-taque do relógio não passa de chacota. Tentei me entender com o futuro mais vezes do que seria razoável. Busquei encaixar mais atividades do que poderia, numa agenda não muito espaçosa, por assim dizer.

O resultado? Alguns textos, horas de muito matutar (como se eu precisasse de pensamentos extras), ansiedade e uma preocupação exacerbada com o que eu deveria fazer, com coisas que precisaria desenvolver e o padrão em que deveria me encaixar.

Foi necessário comprar dois vasos de margarida baratinha, daquelas que custam três reais no supermercado, para que eu entendesse o quanto estava sendo imatura.

Talvez o leitor já esteja acostumado com essa minha forma de tirar ensinamentos maiores de coisas pequenas. Algumas pessoas até me sinalizaram esse costume peculiar e, graças ao Bom Deus, informaram que gostam disso. O que me faz sentir bem acompanhada em minhas divagações. Afinal de contas, seria meio solitário pensar que há poucos pirados vagando por aí. Voltemos às margaridas.

Elas foram adquiridas para conferir um certo colorido ao apartamento onde estou morando e, embora não sejam flores caras, raras ou glamourosas, me afeiçoei a elas. Ocorre que, devido à minha rotina dos últimos tempos - ou à falta dela - o cuidado com as margaridas se tornou difícil. Ficar fora de casa por quatro dias consecutivos representa a morte por desidratação para as pobres plantas.

Aí veio a constatação: se não consigo mais encaixar no meu dia a dia nem o cuidado com dois vasos de margaridas (ou seja, regar diariamente e deixa tomar um pouco de luz), como espero incluir outras atividades ou relacionamentos em minha vida? A questão é: não vai dar, produção!

Pode parecer derrotista, a constatação. Eu, entretanto, prefiro colocar aí uma lente nova: a da piedade. Prefiro ser compreensiva comigo mesma e aceitar que tenho limitações. Esse é um bom caminho para o respeito.

Quantas vezes as pessoas se tornam escravas dos planos que traçaram? Quantas vezes perdem a vida e as relações que já têm, para buscar aquilo que acreditam dever alcançar? Quantas vezes deixam de perceber a riqueza do que possuem, no afã de conseguir sempre mais e se descabelam numa luta constante com os próprios limites? Tenho cá uma quedinha para esse lado, mas não é esse o meu elã. Não é a busca desenfreada o que me prende à vida.

Não estou aqui defendendo que as pessoas tenham que se acomodar e passar o resto de seus dias aboletadas numa zona de conforto, tendo pena de si próprias até o fim dos tempos. Claro que os desafios são algo importante e absolutamente saudáveis. A conclusão a que cheguei é que se por um lado as conquistas dão sentido à vida, os limites conferem paz. E a paz de espírito é matéria prima de momentos mais felizes, sem os quais qualquer conquista perde o sentido.

Sei que chegará o momento de cuidar das margaridas, conotativamente falando. Sei que há o instante propício para cada movimento da vida. A questão é que muitas vezes a gente é a peça certa; o quebra-cabeça é que está errado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Solta os doces, menina! Um conselho para a vida toda.



Todos nós temos algo que nos incomoda mais que outras coisas. Alguma mania, um defeito, um sonho, um conceito. Não importa muito o que, mas fato é que temos conosco - de maneira mais ou menos manifesta, a depender da pessoa - uma série de pequenos (ou grandes) incômodos. Criatura mediana que sou, também tenho os meus. E recentemente andei ficando particularmente incomodada com uma situação: minha incapacidade para encaixar na minha rotina tudo o que penso que deveria estar fazendo.

Ora, catando daqui e dali, podemos colecionar uma série de atributos que uma mulher de trinta anos deve exibir: ser educada, bem-resolvida, culta, fluente em pelo menos duas línguas, bem-paga, organizada, competente, pós-graduada, prendada, disposta, magra, reluzente, saltitante, sorridente, elegante, fashionista, decoradora, mãe, tia, professora, iogue, zen, pontual, engajada, sexy, capaz de resolver problemas e de gerenciar a casa a uma distância de anos e compromissos-luz, mantendo-se calma, serena, feliz, realizada. Eu disse que querem que a gente seja magra?  Não sei se essa é uma tendência real ou se estamos apenas sob uma influência maciça dos meios de comunicação, com seus rótulos e uma lista infinita do "tem que, pra ser feliz".

Pois sim, eu caí nessa armadilha. Comecei a cobrar de mim um desempenho impossível, o que gerou alguns dias de frustração até o momento em que entendi: uma mulher pode fazer tudo - absolutamente tudo o que se propuser a fazer; mas não pode fazer tudo ao mesmo tempo. Às vezes é necessário soltar uma das pontas, para que se possa segurar as outras com firmeza. Caso contrário, não conseguimos fazer nada direito. E não há mal nisso. É apenas uma questão de prioridades. O que me fez lembrar de um sermão que ouvi há alguns anos.

Disse o Frei Domingos, pároco da igreja que eu frequentava na adolescência - um padre italiano parecidíssimo com o São Nunca de uma campanha publicitária antiga - que certa vez uma criança ficou com a mão presa num pote de doces. Incapaz de retirá-la do recipiente, começou a chorar. O pai veio, avaliou a situação e depois de muito tentar, entendeu o problema. Não adiantaria forçar a situação. Ou se quebraria o pote, ou se machucaria a criança. Sua sugestão: "Filha, solte os doces." A criança teria chorado, porque não queria soltar as guloseimas, mas ao final acabou cedendo e tirou a mãozinha ilesa de dentro do pote. 

Foi sobre isso que me peguei pensando hoje. Quantas vezes enfiamos nossas mãos em potes e tentamos agarrar tudo o que há la dentro? Quantas vezes nos jogamos na vida com essa ânsia de querer tudo para agora, para ontem, para a semana passada? E querer absolutamente tudo! E que angústia é essa que nos faz acreditar que só poderemos ter os doces se eles estiverem bem firmes, em nossas mãos? Acaso o Pai não pode nos dar os doces de outra forma? Ou não podemos pegar um por vez, até que tenhamos esvaziado o pote?

Talvez seja falta de maturidade, querer tudo de uma vez só. Tenho certeza de que pessoas mais vividas, maduras e espertas que eu entenderam que podem priorizar, sem que isso represente uma perda. Escolher o  que se quer fazer no momento é uma forma de administrar as várias facetas dessa arte chamada vida.

Não que o processo ocorra sem algum desconforto. Vez ou outra tenho a vontade de pegar todas as preocupações de volta e passar a agir como se tudo dependesse de mim. Soltar algumas coisas gera angústia. E é nesses momentos que preciso me lembrar da história do pai dizendo pra filha "solta os doces". E entendo o recado: não fique tão preocupada, filha. Vai dar tudo certo. Faça uma coisa por vez, sem desistir e quando perceber terá feito tudo.

E eu vou aprendendo. Aos poucos. Um doce por vez. Em alguns momentos de impaciência tentando checar se posso encher a mão e descobrindo que sim, eu posso, mas isso não há de me levar a lugar algum.

E vou entendendo. Posso fazer tudo, mas não tudo ao mesmo tempo.

"Solta os doces, filha. Confia."
"Tudo bem, Pai. Eu confio"

Que todos tenham um dia de paz
Beijinhos
Fê Coelho

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um Bilhete a Morfeu



Chega de mansinho esta noite, Morfeu, trazendo consigo meus sonhos mais lindos? Se aninha ao meu lado e  canta uma canção nova, cheia de doçura e de novidade? Me fala de coisas que não sei se existem, de lugares novos e me ajuda a voar bem de leve, bem longe, bem livre?

Não tenha pressa, Morfeu, que a noite é toda nossa. Se demora, que a aurora está longe, que os sonhos ainda nem começaram. Derrama um bocadinho de areia em meus olhos e me embala, pra presente, pra entrega, pra viagem, pro que os sonhos quiserem. E fica aqui. Entre as cobertas, entre os segundos e além do tempo, fazendo o hoje virar ontem; fazendo o amanhã virar hoje. Sempre mais suave e mais belo.

Acolhe, Morfeu, meu cansaço e faz dele poesia.

E quando o dia raiar, se esconda. Vá embora levando consigo o som de minha respiração distraída, despreocupada. Deixa comigo essa espera por novos sonhos, por novos dias e por um amanhã reluzente de esperança. Tempera o dia com o sabor dourado do crepúsculo, quando provavelmente estaremos esperando um pelo outro.

Boa noite.
Fê Coelho

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Aos Trinta Anos



Tenho cá comigo que as pessoas têm a mania de serem regidas por números redondos. Essa coisa das décadas provoca em nós uma sensação de mudança, como se passássemos de fase num jogo cujas regras ninguém entende muito bem. Aconteceu comigo. De novo.

Aos dez anos, embora não soubesse explicar, havia uma sensação de importância ingênua, uma excitação por usar o conteúdo de duas mãos pra dizer minha idade, como se isso fosse uma espécie de indicativo entre quem era criança e quem era muito criança. Aos vinte anos, eu me senti adulta. Céus, como eu me achava interessante, madura, pronta para dar conselhos e espanar pra todo mundo um monte de conceitos prontos que eu nem sabia de onde vinham. Deus sabe, e agora eu também, quanto engano há por trás dessa sensação de maturidade que a gente experimenta aos vinte. E chegaram os trinta. É nesse ponto que quero espichar a prosa.

A expectativa de fazer trinta anos me apavorou durante os dois que antecederam o fato. Fiquei muito preocupada com a passagem do tempo e seus desdobramentos, com o tempo que deixei pra trás, com as decisões que precisei (e ainda preciso) tomar e as consequências disso sobre a minha vida e a das pessoas ao meu redor. Nos dois últimos anos, me pressionei muito para acertar - afinal de contas, espera-se de uma mulher de trinta anos, no mínimo, que ela saiba o que fazer da vida, certo? Errado.

Nós temos o hábito de rotular as coisas, os feitos, e estabelecer padrões regidos cronologicamente por algum Big Bang invisível que fica alertando: hora de acordar, de se formar, de dar o primeiro beijo, de casar (ora, você A I N D A não se casou, querida? ), de ter filhos, estar milionário ou pelo menos ser o presidente de alguma empresa, de usar anti-sinais, fazer plástica, ter uma bolsa de marca, parar de chorar, ficar segura. Enfim. E nos acostumamos com essa pressão, como se ela fosse genuína, como se estivéssemos de fato devendo algo ao mundo em decorrência do passar do tempo. Claro que não se pode viver sem responsabilidade alguma ou sem nenhum senso de orientação, mas não sei até que ponto esse frenesi ajuda no processo.

Acontece que o tempo passou e cá estou: Uma Mulher de Trinta Anos. Como eu me sinto? Ótima! Acabei entendendo que se não tem como correr, melhor fazer, não? Essa frase foi de uma amiga/irmã, que passou pela experiência antes de mim. E quer saber? Ela está coberta de razão.

Aos trinta anos, tenho a consciência agudíssima de que nunca vou chegar ao patamar de maturidade dos meus pais, por exemplo. Até porque o tempo passa na mesma velocidade para todos nós e para eles começou antes. De modo que o quinhão que me resta é aproveitar o que posso aprender. Aí vem o pulo do gato: por mim, tudo bem! 

Aos trinta eu me conformei e entendi que algumas coisas eu já sei, outras não. Aprendi que algumas coisas é preciso tolerar, mas tenho aqui comigo uma lista enorme de situações que, sinto muito, mundo, mas não vou engolir de jeito nenhum. Entendi que cururu não é comprimido, mas às vezes precisa virar tira-gosto. Estou começando a descobrir que Sim e Não tem o mesmo peso, embora essa última seja muito mais difícil de dizer. Consegui olhar com mais humor para meus próprios defeitos e me perdoar por algumas escolhas, afinal de contas, foram elas que me trouxeram até aqui. Descobri o valor de se cultivar amigos e que muitas vezes só isso te livra de você mesmo. Entendi que somos nosso pior algoz e, paradoxalmente, nossa companhia mais importante. E que uma pessoa que não tolera estar só, está em péssima companhia.

Aos trinta anos, posso dizer que sei acender churrasqueira, trocar lâmpada, desentupir pias, ralos e companhia, arranho uma forma estranha de fazer fogueira, conserto varal, dirijo em estrada, abro vidro de palmito, cozinho um bocado de coisas, sei os princípios da troca de pneus, escrevo alguns textos, amo desveladamente algumas pessoas por quem valeria a pena morrer, entre outras coisas. Mas não mato baratas, ratos e companhia limitada; não tolero gente má, nem mentira, nem pessimismo. Não me alegro com a desgraça alheia. Não gosto de noticiário, nem de revista de fofoca. Não tenho saco pra gente arrogante e nem pra gente com cérebro de minhoca. 

Talvez eu esteja mais ácida, menos doce, menos ingênua, mais confiante, mais doida, vá saber. Fato é que o Temido Trintão veio como um presente maravilhoso, uma forma de promoção, um upgrade para uma versão melhor de mim. O bonde do tempo passou e eu literalmente me joguei lá dentro.

Melhor ir com a vida, que observá-la passando. Porque o tempo passa, meu bem. Isso é fato. A questão fundamental é: você embarca ou não?

Beijinhos
Fê Coelho





quarta-feira, 25 de julho de 2012

Fazendo justiça: trecho do primeiro capítulo de A Encantadora de Palavras




Olá, pessoas queridas. 
Comemorando o dia do escritor, resolvi abrir mão de qualquer possibilidade de um dia inscrever meu livro em um concurso, entender que não será esse o caminho da querida Carolina - a verdadeira Encantadora de Palavras - e fazer justiça a ela. Talvez seja hora de compreender que posso estar sendo cruel com uma personagem tão dedicada ao espalhar das palavras. Uma garota que passou tanto tempo sendo escrita e que ainda hoje muda como as nuvens no céu não pode ficar mais confinada a bytes inertes numa pasta do meu computador.
Apresento a vocês, Carolina - a Encantadora de Palavras, uma menina quase comum, exceto por alguns detalhes. Esse é um trecho do primeiro capítulo do livro, que diga-se de passagem, ainda está (e desconfio que nunca deixe de estar) em revisão.
Beijo enorme a todos.
Fernanda Coelho

A Encantadora de Palavras
Capítulo 1
O começo do fim

Dizem por aí que quando uma criança dá o seu primeiro sorriso, em algum lugar, nasce uma fada. Se isso é verdade, eu não saberia dizer. Para ser muito sincera, não conheço nenhuma fada, nem sei de onde elas vêm. E, embora eu já tenha ouvido várias histórias sobre elas e a quantidade de coisas legais que podem fazer, até hoje nenhuma entrou voando pela minha janela.
O que sei é que, num lugar bem distante daqui, chamado Vale dos Sons, onde, segundo a lenda, o vento conversa com os morros, sempre que uma criança lia a sua primeira palavra, uma ponta de esperança brilhava e iluminava o rosto de uma menina muito estranha.
Carolina era mesmo uma garota diferente e todos em sua aldeia sabiam disso. Tinha os cabelos compridos e escuros como o céu das noites de tempestade, quando não se pode ver uma só estrela no firmamento. Seus olhos eram de um negro profundo, como um poço onde se pode jogar uma moeda sem, contudo, nunca ouvi-la chegando à água. Era magra e tinha os joelhos ossudos.  Parecia pálida, não como as heroínas presas em altas torres à espera de quem as pudesse salvar, mas tinha a pele clara o suficiente para conferir-lhe certa aparência frágil. Ela não era alta nem baixa. Seu sorriso, uma fileira de dentes brancos e pequenos, lembrava um colar de pérolas emoldurado por lábios em formato de coração. Não falava muito, nem pouco. O que realmente chamava a atenção em Carolina, era a sua maneira de olhar para o nada, como se conhecesse um segredo importante, como se enxergasse muito além do que se pode ver ou entendesse algo além do que se pode compreender. Vez por outra, ela ria baixinho, tendo os olhos perdidos em algo aparentemente sem importância, sem dizer nada a ninguém e todos se perguntavam “qual é o problema com ela?”
O que as pessoas na aldeia não sabiam é que Carolina escondia um segredo importante. Ela conhecia as palavras.
Talvez você esteja se perguntando “o que é que tem de mais nisso?” Não quero deixar você curioso, então vou contar toda a história.
Acontece que no lugar e no tempo em que Carolina vivia, dizer que uma pessoa conhecia as palavras era o mesmo que afirmar que uma fada entrara voando pela sua janela. Afirmar uma coisa dessas era o suficiente para causar tumulto, fazer as velhinhas perderem as contas dos bordados, as mães queimarem a sopa dos bebês, os homens errarem o corte do bigode e baixar sobre o Vale dos Sons um silêncio tão denso que poderia ser cortado como um pedaço de doce. Era um assunto sobre o qual não se falava, nem nas conversas mais íntimas nem nos protestos mais acalorados. Carolina vivia num mundo sem palavras, num lugar onde não havia histórias, registros, leis ou notícias; onde não existiam anúncios, faixas, provas, boletins, poemas, bilhetes ou listas de compra. Não existia dever de casa e nem cartas. Simplesmente não se via palavra, por onde quer que se passasse. Elas haviam acabado.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Uma janela chamada Felicidade



Alguns conceitos gostam de se revelar assim, do nada, numa manhã de quinta-feira qualquer. São ideias fugidias que vêm meio sem palavras, que se anunciam tão rápido quanto se retiram e podem fazer valer o dia. Estou falando de breves momentos de clarividência, daquele instante mágico no qual se compreende algo importante. Algo com o poder de mudar conceitos, fazer pensar ou - no mínimo - fazer sorrir.

Foi assim hoje. Sem que nada de especial (em tese) acontecesse, consegui formular um conceito do que para mim é a felicidade. Veja bem, estamos tratando de uma manhã sem qualquer atrativo especial: a primeira do inverno, um dia paradoxalmente quente, com céu limpo, sem vento ou novidades. Eu estava na cozinha da casa de meus pais, um lugar conhecido desde sempre, por cuja janela se filtra uma luminosidade dourada capaz de desenhar pequenos quadradinhos de luz no chão molhado, cheirando a produto de limpeza e tranquilidade. Minha filha correu para longe de mim, após devolver-me o copo vazio e ainda morno pelo leite. Ouvi música e entendi: a felicidade é uma janela que fica sempre aberta, mas sobre a qual nem sempre nos debruçamos.

Esse pode parecer um conceito estranho, mas para mim calhou perfeitamente. Visualizei-a como se estivesse exatamente à minha frente: uma janela aberta, por onde passa luz dourada e oblíqua, em cujos raios se pode ver suspensos os grãos de poeira num eterno balé. Mais adiante um campo, verde, florido e vivo. É como se ela sempre estivesse lá, mas passássemos apressados demais para prestar-lhe atenção. Até que um dia, numa manhã comum de uma quinta-feira qualquer, por algum motivo, eu tenha resolvido demorar-me à sua frente; como se houvesse resolvido me aproximar e olhar o que está contido em minha própria felicidade.

E me vi cheia de motivos para estar feliz. Pensei em minha família unida, bela e em paz; recordei os amigos, meu trabalho, ouvi a risada de minhas filhas e sorri. Estiquei meus braços, enchi os pulmões de ar, movimentei as pernas, peguei um brinquedo jogado no chão e agradeci. Senti-me profundamente grata pelo que sou e tenho, pela família em que fui inserida, pelas raízes que compartilhamos, pelos princípios que guiam minha existência e por cada uma de minhas memórias.

Penso que deve ser algo realmente triste, quando a pessoa se fecha muito demoradamente na escuridão do pessimismo, das reclamações e se foca sempre naquilo que falta. Isso faz com que não se consiga suportar a luminosidade de dias delicadamente felizes. Acredito que fizeram à felicidade uma grande injustiça, elevando-a a um patamar inatingível de bens ou sensações psicodélicas, quando - a bem da verdade - ela está o tempo todo esperando ser apenas reconhecida.

E é esse o ponto em que quero chegar, finalmente. A felicidade é simples por essência. Delicada e mansa, ela não necessita de tantos adereços quanto se prega por aí. Não é preciso que se faça da vida uma Drag Queen de anseios e sensações. Porque para ser muito sincera, acredito que a felicidade seja mesmo uma janela sempre aberta. Tudo o que precisamos fazer é escolher nos debruçarmos sobre ela.

Beijinhos
Fê Coelho

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Carta aberta à melhor irmã do mundo



Conheço você desde que me entendo por gente. Aprendi a andar ao seu redor, ou seria para fugir de você? Aprendi a falar para te pedir alguma coisa, ou para contar à mamãe alguma maldade que você tenha feito comigo. Vá saber. O que importa mesmo é que em todos os marcos realmente importantes de minha vida, sua figura sempre se fez presente. Você sempre esteve lá, com esses seus olhos cor de mel e esse sorriso bondoso que quase destoa numa cara de onça brava que só você sabe fazer. E quando penso em nós duas, embora sejamos tão diferentes em tantos aspectos, é como se pensasse em uma coisa só, indivisível, única, uma bagunça que a gente entende tão bem e que não se desfaz.

Com você, amoreco, aprendi a brigar, a dividir e ceder. Aprendi a ouvir, a dar colo, a ser companheira e fofocar. Mas eu diria que uma das coisas mais divertidas que aprendi contigo foi não brigar. Recordo-me exatamente, como se fosse há quinze minutos, de ver sua imagem refletida no espelho, fula da vida, enquanto me ouvia dizer "olha, eu sei que você quer brigar, mas tenho uma novidade: eu não vou brigar. Se quiser, brigue sozinha". Nesse dia, adquiri o hábito de resolver se quero brigar ou não. E sei que te matei de raiva um milhão de vezes com ele. Acontece que brigar contigo nunca foi algo quem me agradasse, porque a bem da verdade, tudo o que eu sempre quis foi a sua aprovação.

Sempre te admirei, amore. Sempre vi em você um exemplo. Você era algo, assim, como uma força da natureza, nunca se conformando muito bem com as coisas, dando um jeito para que os resultados se moldassem à sua maneira.

E o tempo passou. E nessa sanfona maluca da vida, que afasta e aproxima as pessoas, de alguma maneira, sempre estivemos unidas por um amor que não se dissolve.

Hoje sei que tenho em você um lugar seguro para onde ir, sempre que quiser e precisar. Tenho em você uma amiga extremamente fiel, uma pessoa que sempre me lembrará quem eu sou e do que sou feita. Estou falando de raiz, maninha. Daquilo que realmente importa. Sei que sempre terei em você uma pessoa divertida com quem rir e alguém com quem praticar minhas patéticas tentativas de ser um remendo de psicóloga.

Te admiro muito. Pelas pequenas coisas e pelas grandes. Te admiro pela garra com que você abraça a vida, com que desempenha seu trabalho e pelo amor com que se faz mãe. Te admiro pelas palavras doces que entrega de graça, pelo carinho que tem com todos à sua volta, pela maneira com que põe a mesa e decora a casa e por todo o resto.

Obrigada pela amizade, pela fidelidade, por todo o seu amor e por todo o resto. Obrigada por meus sobrinhos e por me ensinar a beleza de se cuidar de duas crianças lindas e estragá-las à vontade - afinal de contas, as tias estão aí para isso mesmo.

Te amo muito mais do que poderia caber em um texto curto escrito por uma pessoa de vocabulário reduzido.

Beijo gigante.
Feliz Aniversário!




quarta-feira, 30 de maio de 2012

Trocando em miúdos: um texto a quatro mãos.




O texto que se segue é uma tentativa de conciliar pontos de vista diversos, ou antes uma forma capenga e bem-humorada (foram muitas risadas até o texto ficar pronto) de esclarecer ou – ao menos – tentar encontrar um ponto pacífico, uma pequena zona de conforto no que parece ser o Muro das Lamentações Contra o Sexo Oposto. Somos uma enfermeira – profissão que não poderia ser mais feminina nem que fosse escrita com batom – e um engenheiro – ofício tão masculino quanto xingar a mãe do juiz - conversando e não pretendemos, de forma alguma, atingir a imparcialidade ou a Verdade (como grandeza absoluta). Não vamos escrever nenhum manifesto. Mas podemos entreter homens e mulheres. Basta acompanhar o raciocínio.

O primeiro tópico abordado foi o sofrimento. Quem sofreria mais, homens ou mulheres? Foi fácil concordar que as mulheres são mais sofredoras desde que o mundo é mundo. Fisiologicamente falando, até as formigas – consideremos a sina da rainha – sabem disso. Foi fácil concordar nesse ponto. Milênios de evolução (e cólicas menstruais) comprovam esse fato. O que discutimos foi o uso que as mulheres muitas vezes – nem sempre, sejamos justos – fazem do sofrimento que lhes foi infligido. Amiúde as mulheres usam esse martírio para manipular as situações a seu favor, se colocando além da linha dos mártires, para conseguir pequenos favores, como carregar coisas pesadas – afinal de contas, quem foi favorecido com músculos? – ou sair para comprar chocolate – afinal de contas, um homem nunca entenderá (no melhor sentido da expressão) o que é TPM.

Nas palavras do engenheiro representante da espécie (e que pode ser excluído do clube de luta por isso, então demos o devido valor), "aos homens sobra muito pouco sofrimento". Isso não quer dizer que os homens não tenham suas correntes para arrastar. Uma das grandes aflições masculinas, segundo nosso bravo interlocutor, é tentar descobrir por que a mulher está chateada, quando ela diz que não está. De alguma forma o ser masculino sabe que essa afirmação é falsa e que se trata do prelúdio de uma crise de choro feminina, que eu (com conhecimento de causa) chamo de O Grande Mal. O choro feminino é quase uma arma de destruição em massa e vem sendo bem usado ao longo dos séculos. Por ele, já foram entregues desde o álbum completo do Brasileirão de 97 até reinos inteiros. A proximidade de uma crise de choro feminino provoca no homem uma sensação de impotência, porque de alguma maneira há uma culpa misteriosa envolvida - por algo que ele tenha feito, dito, pensado, omitido ou por qualquer ato praticado nas suas últimas dez encarnações. Fato é que ele sabe que fez ou deixou de fazer algo. Então ele mente!

Se, por um lado, as mulheres sofrem e choram, por outro, os homens mentem e negam. Poderiam negar até a cor da camisa que estão usando e convencê-la de que você está com distúrbios visuais ou tendo alucinações. Não que esse comportamento seja exclusivo dos homens. A mulherada anda abusando do conhecimento de que podem mentir e, ainda assim, manter um nariz perfeito. A questão fundamental é a estirpe da mentira. Muitas vezes os homens mentem para proteger o próprio espaço. Isso os leva às mentiras mais sem pé nem cabeça da história. Neste ponto da conversa, meu interlocutor pede que eu defenda sua honra perante os leitores. Disse que não concorda com essa coisa de mentir e negar e acrescentou que é um ótimo rapaz. A sinceridade, acreditem, pode ser um caminho trilhado por escolha. Algumas pessoas não conseguem viver sem isso. E esse é outro ponto importante de concórdia levantado em nossa conversa. Devemos, entretanto, ressaltar que a sinceridade pode não ser fruto de uma escolha. Ora, nem todos os homens mentem bem. Alguns não logram êxito nessa empreitada e acabam tendo que ser sinceros - o que pode lhes causar problemas.

De maneira geral, temos nossas diferenças. Acontece que todas elas fazem parte de uma teia de conceitos que permeiam o "ser homem" e o "ser mulher". Homens gostam de esportes. Mulheres gostam de moda, feminices e belezuras. O futebol de domingo está para os homens assim como o sábado no salão está para as mulheres. O mesmo pânico que os homens têm de uma tarde de compras no shopping lotado acomete as mulheres em relação aos botecos "copo sujo". Homens sabem de cor a tabela do Brasileirão, mulheres sabem os nomes de um zilhão de esmaltes. Homens têm senso de direção, mulheres de organização. Homens lidam bem com coisas, mulheres com gente e coisas que envolvam o trato com gente. Mulheres falam de problemas, homens resolvem problemas. Homens têm força, mulheres jeito. Claro que temos algumas variações, até porque as pessoas não podem simplesmente caber em dois grandes balaios - um rosa e outro azul.

E esse talvez seja o grande barato! As diferenças entre homens e mulheres não precisam ser o que nos afasta. Encará-las como o que nos complementa parece ser algo mais saudável, justo e divertido. Afinal de contas, melhor que viver em guerra, discutindo picuinhas que vão desde o cosmo até o infinito, pode ser nos focarmos naquilo que une, enriquece e move homens e mulheres para uma direção única. Usando as palavras dO Teatro Mágico, "os opostos se distraem; os dispostos se atraem". Ou, trocando em miúdos, homens e mulheres se encaixam perfeitamente, tão perfeitamente quanto o dedo e o nariz.

E que reine a paz nesse mundão doido e sem porteira.

Fernanda Coelho e Leandro Lawall.

sábado, 12 de maio de 2012

Sobre o amor que se constrói.



Não sei se vou conseguir explicar aqui, com meu vocabulário restrito, o que ocorre quando nos tornamos mães. Aliás, sobre o que realmente quero discorrer é o processo pelo qual uma mulher se torna mãe - ou mais particularmente o processo pelo qual me tornei mãe. Nada de fisiologia, pessoas. Estou falando do campo afetivo. Sei que vai ser difícil montar o discurso, mas sempre se pode tentar, não?

Quando me vi esperando minha primeira filha, após o susto e o - vamos assumir - pânico de uma gravidez em uma idade tenra, acabei num primeiro momento aceitando a ideia. Depois disso, me apaixonei por ela - a ideia. Eu me tornaria mãe. Subiria um degrau na hierarquia. Seria um pouco mais adulta, por assim dizer. Acariciei essa possibilidade com todo o amor que eu tinha para oferecer àquela época. Cuidei de mim, cuidei do bebê que Deus formava em meu ventre e tentei me fazer forte para ser a mãe que esse bebê precisava.

E amei essa ideia. Amei esse conceito de mãe e essa relação de maternidade que se estabeleceria. Dediquei a esse bebê que se formava em mim todo o afeto que eu estava preparada para dedicar.

E acontece que os bebês nascem. E engana-se, no meu parco entendimento de mãe de duas filhas, quem diz que nesse exato momento nasce uma mãe. Por definição, sim. Mas não foi uma coisa cósmica, o surgimento do meu amor. Amor é coisa que demanda conhecimento. É algo pessoal, íntimo demais. Sou assim, um pouco devagar para começar a amar e absolutamente desvelada no amor que construo, no amor que conquisto.

Quando vi aquele bebezinho careca, pelo qual senti dores terríveis, dormindo e depois, com sua boquinha morta de esfomeada, eu gostei da ideia. Eu quis aquela menina e quis amá-la com tudo o que eu podia.Talvez não soubesse muito bem como fazê-lo, mas eu queria - com toda minha alma.

Então passaram-se os minutos, as horas e os dias. E eu aprendi a amá-la pelo seu nariz arrebitado, pela maneira como ela dormia, pelo som do seu choro, pelo toque da sua pele e por todo o resto. A mágica se fez. Eu amava aquela criança como provavelmente não poderia amar a mais ninguém no mundo. Eu precisava de minha filha. Precisava saber que ela estava bem, precisava do seu sorriso e do som da sua voz. Eu precisava fazê-la dormir. Eu necessitava dessa convivência, como jamais imaginei necessitar de algo.

Então eu me vi esperando outra menina. Tecnicamente, não haveria motivo para surpresas - considerando que eu já era mãe. Mas eu tive muito medo. Como seria possível amar alguém com a mesma intensidade, com a mesma devoção que eu dedicava à minha primeira filha? Impossível! E temi não conseguir amar minha segunda filha, ou preteri-la em favor da outra, ou o contrário. Passei muitos momentos pensando a respeito, atemorizada, mortificada, curiosa.

E ela nasceu. Que coisa maravilhosa, ver minha primeira filha segurando a segunda no colo, como se dissesse "olha, mamãe, a boneca nova que eu ganhei". E o amor foi se fazendo aos poucos, novamente. E uma vez mais, ele se fez maravilhoso, forte, desvairado e para sempre. E aprendi a amar uma filha na outra. Aprendi a amar o cuidado que uma tem com a outra, o companheirismo. Aprendi que é possível, sim, amar duas pessoas desesperadamente e dar tudo de si e mais um pouco, sem que isso signifique um esforço.

Acho que é isso o que nos torna mães: conhecer, amar e descobrir a cada dia que esse amor só aumenta. Acredito que essa é a maior surpresa da vida: um afeto que te assusta, de tão forte, de tão sublime. Um amor que te explica o amor que você recebeu, que te aproxima dos seus pais e te mostra como amar os seus irmãos.  Acho que ser mãe é o que passa a nos mover, quando acontece.

É por isso que eu confio no amor que tenho. É por isso que acredito que vai dar tudo certo, porque temos o amor por guia e um vínculo que só se fortalece, que só aumenta, que só encontra mais e mais motivos para existir. Porque agora eu amo mais que antes. Sempre mais. Sempre mais bonito. Sempre mais intenso. Porque me torno, a cada dia que passa, mais e mais mãe - se é que isso é possível. A questão fundamental é: impossível é uma palavra muito pouco usual no vocabulário de uma mãe.

Feliz dia das mães a todas vocês, mulheres que estão fazendo o melhor que podem, porque simplesmente não conhecem outra forma de agir.
Parabéns pelo amor que entregam e pela maneira que o fazem.

Beijinhos
Mamãe Coelho ^^)


quinta-feira, 10 de maio de 2012

No Colo da Mãe da Gente



No colo da mãe da gente cabe o mundo inteiro. Cabem nossas angústias, nosso melhor carinho, nosso sorriso mais sincero e nossas lágrimas mais bem escondidas. No colo da mãe da gente cabe tudo aquilo que quisermos entregar, tudo o que quisermos confessar. Ali cabemos nós, do jeito que somos, da maneira que estivermos.

No colo da mãe da gente estão seguros nossos segredos, nossas limitações e nossos medos. Ali se podem aninhar nossas impressões falsas sobre as pessoas, o mundo e nós mesmos. Ali se escondem nossos vexames impagáveis da infância e nossos belos dias de rebentos bochechudos. No colo da mãe da gente se esconde uma outra versão de nós - uma mais perfeita, delicada e bem intencionada - passada pelo filtro do amor incondicional.

O colo da mãe da gente ensina a amar - não com tratados sobre o amor ou coisa que o valha. Nada disso. No colo da mãe da gente, o amor é ensinado pela doação, pela simples entrega. É como se a mãe da gente dissesse: olha, filhote, é assim que se ama. E nos amasse para ensinar, para transmitir essa paz que só a mãe da gente tem para oferecer.

No colo da mãe da gente, ouvimos conselhos - que muitas vezes serão deixados de lado para depois serem recolhidos, polidos e amados como os maiores tesouros que já pudemos receber. Porque no colo da mãe da gente se esconde a sabedoria. É para lá que podemos sempre ir quando as coisas vão mal. E quando vão bem. Porque o colo da mãe da gente também é lugar de festa!

No colo, somos amados, acolhidos, reconhecidos e direcionados. Sempre rumo ao amor. Sempre tendo a paz por bússola.

Porque o colo da mãe da gente é o melhor lugar que já inventaram. É onde provavelmente a felicidade vive. E se não vive, passa todos os finais de tarde, com o poente à sua frente e o vento em seus cabelos. Porque o colo da mãe da gente é o lugar onde cabemos direitinho para sempre. O colo da mãe da gente é um recanto sagrado que atende pelo nome de Amor!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Nova Carta ao Senhor Futuro



Apenas alguns meses passados, Senhor Futuro, e cá estou eu a repetir algumas palavras. Fico imaginando se esse será sempre um hábito - o de me repetir. Considerando o Senhor Passado e o Senhor Presente, talvez eu possa afirmar que essa seja uma tendência natural - minha ou de todos os mamíferos bípedes dependentes de energia elétrica e clichês, vá saber. Prefiro, todavia, não fazer essa inferência, visto que projeções são a sua especialidade e tenho me provado um solene fracasso no desempenho de suas funções.

Permita-me confessar uma coisa, Senhor Futuro: tenho medo do tempo. Assusta-me esse correr vertiginoso de segundos, essa sucessão de fatos e dias, esse turbilhão de momentos - que não controlamos, não retemos e cujos frames simplesmente nos escapam. Amedronta-me esse eterno modificar de bebês, que viram crianças dentro do que parece ser uma reviravolta da Terra - piscadela a que os humanos chamam ano.  Atemoriza-me a capacidade do tempo para modificar, encerrar, ruir, assorear, corroer e, paradoxalmente, fazer surgir coisas.  O tempo traveste as situações, embaça as cores e as mistura de uma maneira que já não sabemos o quão dourado ou escuro algo realmente foi. Ou será o oposto? Acha, Senhor Futuro, possível que o passar do tempo apenas nos mostre as cores reais, sem a falsa ilusão do novo? 

Talvez eu nunca vá saber essa resposta. Nem o senhor. Consideremos que o novo é tudo o que você conhece.  Pensando melhor, nem o novo é sua jurisdição. Seu trabalho, Senhor Futuro, localiza-se no campo das especulações, daquilo que não se sabe, do que não se pode palpar. Realizou-se, virou presente. E o presente é algo absolutamente quimérico. O Senhor Tempo se encarrega de levar o presente pra lá, como a Roda Viva do Chico. 

Andei pensando em fazer um acordo contigo, Senhor Futuro. Andei considerando a hipótese de apenas te aceitar, sem querer torcer seus eixos ao redor das minhas expectativas. Andei pensando sobre a possibilidade de permitir às minhas Preocupações - tão ativas, tão altivas, tão insistentes - um momento de descanso. Andei ponderando sobre isso: quem sabe eu consiga te libertar da obrigação de atender a cada um dos meus planos embrionários para um Futuro Brilhante. Andei pensando em te aceitar. Verbo e ponto final, sem condições. 

Talvez eu consiga. Talvez seja apenas isso o que o Senhor espera de mim. 

De qualquer forma, por precaução, diga ao Senhor Tempo que não me ressinto de sua passagem como sopro. Diga a ele que compreendo sua forma de agir. Apenas peça a ele que me trate com suavidade, que não faça de minha história um amontoado de coisas desconexas. Suavidade, Senhor Futuro, é tudo o que peço ao Senhor Tempo. Suavidade e Sabedoria. Acredito que esses dois ingredientes nos permitirão uma conversa agradabilíssima, quando nos encontrarmos. 

Suavidade e Sabedoria. Acho que deve ser o bastante para nos proporcionar um bom encontro, quando chegar o momento em que tudo se torne Passado.

Beijinhos
Fê Coelho.

terça-feira, 1 de maio de 2012

QSF



Que Se Fale a verdade
Que Se Firme a paz
Que Se Fuja do terror
Que Se Fortaleça a fé
Que Se Fabriquem sorrisos
Que Se Felicitem os homens
Que Se Finde o choro

Que Seja Forte
Que Seja Ótimo
Que Seja Decidido
Que Seja Adequado
Que Seja Feliz
Que Seja Ouvinte
Que Seja Dedicado
Que Seja Ameno
Que Seja Firme
Que Seja Ontem
Que Seja Direito
Que Seja Análogo

Que Se Fabriquem pessoas em série
Que Se Fie na palavra
Que Se Fale o mínimo
Que Se finja estar Feliz

Que se FFFFFFFFFFFaça Silêncio!

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Eu tenho um sonho




Qual é o seu maior sonho? Tive que pensar em uma resposta para esta pergunta esta noite. Foi um questionamento direto, fruto de uma conversa sobre ideias e sentimentos. Uma pergunta jogada, um parágrafo de uma só oração. Qual é o seu maior sonho?

Juntei todos os fragmentos daquilo que eu possa considerar um sonho, pensei em todas as sensações e respodi - rápido demais: "ser suficiente para minhas filhas; ter um emprego que nos possibilite viver confortavelmente, uma boa casa e condições para ser uma boa mãe; poder educar minhas filhas e ter algumas regalias". Bem classe média. Bem simples. Bem básico.
Acontece que não era só isso. Uma outra parte do meu maior sonho ficou aqui no canto da consciência, emburrada, com os braços cruzados, ameaçando fazer birra se eu não a assumisse: minha vontade de um dia ser reconhecida por algo que eu tenha escrito. E foi precisamente isso, o que me fez continuar a remoer a pergunta de minha amiga. Qual é o meu maior sonho?
Me inquietei e, como é de praxe, passei a analisar meus motivos, minhas vivências e aspirações. Olhei bem lá pra dentro, para onde nascem os sonhos e perguntei: "ei, você aí, qual é o seu maior sonho?"
E dessa vez a resposta veio devagar, suave, em ondas de fatos e sensações. A resposta veio na forma de música: Epitáfio, essa canção tão linda e tão triste, que normalmente me faz refletir sobre arrependimento. E foi, então, nessa resposta ao avesso, que encontrei o lado direito do meu maior sonho: me orgulhar.

Meu maior sonho é viver de uma forma que, lá do alto do morro da vida, na velhice - lugar onde os dias fazem a curva, e que nos permite enxergar tudo o que foi feito, dito, omitido e vivido - eu possa sentir orgulho do caminho que trilhei. Sonho em poder sentir orgulho de mim mesma, de meus dias, de minha descendência, de minhas conquistas, das amizades que cultivei, dos meus escritos. Sonho poder sentir satisfação pelo que vivi.

Talvez esse seja um sonho comum a todos os seres humanos. Talvez seja por isso que as pessoas escalam montanhas, adquirem casas, formam famílias, levantam pesos, navegam oceanos e fazem descobertas científicas. Talvez seja essa a mola do mundo: provar a si mesmo o seu valor. Ou quem sabe, seja apenas uma maneira simplista de resumir as grandes aspirações da humanidade.

De qualquer maneira, fica respondida a pergunta. Meu maior sonho é poder olhar para os meus dias e me orgulhar deles. É me realizar enquanto mulher, mãe, profissional e ter a certeza que, em cada situação, eu, se não consegui, tentei tirar o melhor.

Beijinhos
Fê Coelho


sábado, 14 de abril de 2012

Terra de ninguém




O coração do outro, disse-me uma amiga, é terra que ninguém pisa. E eu concordo. O que mais poderia fazer? Essa é, dentre as ideias com as quais me deparei recentemente, uma das mais inquestionáveis.

O coração alheio é terra que nenhum olho humano vê e nenhum outro sentido alcança. É território que ninguém conquista como propriedade. É local insondável, selvagem em sua singeleza exuberante. Dele não se pode apossar. Não se pode, ali, colocar bandeira e dizer: tudo isso é meu. Porque não se conhece o que vai no coração do outro.

O coração do outro guarda surpresas que vão muito além do confesso. Esconde segredos e motivos que escapam à nossa compreensão e frustra – talvez por capricho, talvez por não saber outra maneira de ser – todas as nossas grandes suposições. E quem pode culpá-lo? Não temos olhos para ver o que vai no coração do outro.

Não conseguimos compreender as nuances, nem ler as entrelinhas dessa terra de ninguém. Tudo o que sabemos sobre o coração alheio é o que ouvimos e observamos. Sobre isso, duas ponderações devem ser feitas: o homem mente e amiúde tem a mira ruim para inferências. Ora, é comum julgar triste uma pessoa que está apenas pensativa. Assim como é frequente não enxergar a tristeza que vem travestida de felicidade. E não é por mal. A questão é que não é dado a nenhum de nós penetrar esse recinto, que muitas vezes nem o próprio dono conhece a fundo.

Desconheço o que esse fato representa para outras pessoas, mas compreendo que, para mim, acessar essa ideia foi algo libertador. Principalmente porque muitas vezes me angustio acerca do que os outros sentem, do que os move e explica suas ações. Enfrento os olhares, tentando compreender. Ouço as ideias, como se me pendurasse nelas, presa por um fiapo de significado que se comunica com o que, de fato, se quis dizer. Procuro colocar-me no lugar do outro e fazer inferências. Tudo em vão. Porque afinal de contas todo esse esforço passa pelo filtro de minhas próprias vivências. E isso, em si, já é o suficiente para escancarar a subjetividade de meu parco conhecimento.

Acredito que talvez o ponto principal de toda essa reflexão seja um caminho pacífico e sem volta à aceitação. Pode ser que essa ideia tenha chegado a mim para serenar algumas angústias e para dizer que não importa o que eu pense ou quanto me esforce, alguns conhecimentos simplesmente não estão acessíveis. Quem sabe seja uma questão de apenas aceitar e reagir, sem ter a pretensão de entender. Porque volto a dizer - e preciso me lembrar disso diariamente – disse-me uma amiga muito querida, o coração do outro é terra que ninguém pisa.

Beijinhos
Fê Coelho

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Por que não eu?



Preciso de um pseudônimo, de um nome que me abrigue de minha vida, para dar vazão a coisas que eu gostaria de dizer. Preciso de uma outra alcunha à qual emprestar alguns pensamentos  - uns que se sacodem aqui dentro e não param de me perturbar - sobre os quais eu não pretendo escrever. Preciso de um novo nome, que me proteja do olhar conhecido, que me abrigue das opiniões a meu respeito. Procuro um pseudônimo para que, tendo eu escrito, não se faça julgamento de valor a respeito do que tenha motivado o texto. Quero uma personagem - uma criatura escritora que possa dizer o que quer, sem ter que se explicar.

Eu poderia com tranquilidade criar uma tal Soledad Montenegro e fazer com que ela contasse algumas anedotas. Poderia ajudá-la (ou seria o contrário?) a explicar que, a bem da verdade não sentimos falta das pessoas que se vão, mas de nós mesmos enquanto tínhamos o convívio dos que se foram. Soledad falaria sobre algumas angústias e seria toda nostalgia. Por ela, eu poderia atender a uma amiga especial que sempre me pede para escrever sobre o amor e que vem sendo sistematicamente frustrada.

Porque, senhores, não pretendo falar sobre amor - a não ser que seja aquele que  devotamos aos filhos, à família e à vida. O restante desse discurso, não importa o quão inovadores sejam os nossos pensamentos, acaba virando uma pieguice só. Amor é assunto pra conversa informal, de boteco, de noite de meninas ou do que quer que seja. Mas documentar pensamentos a respeito desse tema é fria. Porque, invariavelmente, o que pode ser apenas um conceito, uma ideia sem destinatário, acaba virando um recado. E aí o circo está armado. Nunca se consegue um distanciamento ideal para falar sobre o amor: nem de tempo, nem de espaço, nem de encarnação. Falou de amor, virou indireta. Mesmo que não seja. Então deixemos esse assunto.

Escrever nem sempre é fácil. Aliás, na maioria das vezes não o é. Há uma censura interna digna do A.I.5 que me impede de escrever livremente. O que fulaninha vai pensar? O que cicraninho vai entender? Que juízo de valor farão de mim, após lerem este texto? Porque, convenhamos, é a minha cara que está ali para baterem. Escrever materializa o que as pessoas apenas supunham, confirma ou refuta o que esperavam que você fosse. E sinto muito em dizer: não consigo lidar com essa coisa de arte pela arte. Não sei deixar de me importar. Mas a Maria dos Cascos saberia.

Maria dos Cascos falaria com propriedade sobre gente ruim e poderia até dar alguns exemplos de situações em que essas pessoas se denunciam. Maria dos Cascos poderia reclamar à vontade, eu não. Porque a Maria dos Cascos é livre. Ela não tem parentes, nem amigos, nem emprego, nem  uma carreira para zelar. A Maria, sim, pode fazer arte pela arte de ser intransigente. Eu não.

A Colombina poderia falar de medos. Sophie Lapin falaria de desejo. João Brutão falaria das chatices das mulheres. Tiana Arranca Toco discorreria sobre as frescuras dos homens. Mariazinha do Dente de Leite listaria motivos que a deixam pau da vida com o mundo dos adultos. E todos seriam eu, sem a carga do olhar de quem me conhece.

Claro que é uma bela forma de covardia. Acontece que tenho "licença poética" para isso. O precedente está aberto. Richard Bachman (Stephen King), Brás Patife (Olavo Bilac) e Boas Noites (Machado de Assis) que o digam. Se eles - que não tinham idiotices a dizer - puderam, porque não eu?




quarta-feira, 4 de abril de 2012

Algumas vezes



Algumas vezes acontece.
Acontece de um poema me pegar pelas pernas
E suas palavras fazerem sentido e me encantarem como jamais acontecera

Algumas vezes acontece de meus olhos sorrirem
Sem que eu diga palavra alguma,
Sem que meus lábios esbocem a menor contração

Algumas vezes reconheço a ternura em ideias
E acho que isso é algo adorável
E desejo que essa ternura faça parte de mim
Dos meus amigos
Da minha vida

Algumas vezes as palavras aparecem em versos
Sem rima
Sem métrica
Pelo capricho de ser estrofe

Algumas vezes, só algumas vezes
Assusto as pessoas por dizer exatamente o que penso
Sem modular os conceitos
Sem polir as palavras
Sem me importar
Sem cuidar
Sem querer
Sem dar a mínima

E me sinto meio diferente
Destoante
Pensante
Meio estranha e muito conformada

Porque essas coisas só acontecem de vez em quando
Só algumas vezes

Beijinhos
Fê Coelho

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Princípio de Tudo



Se, nas diversas situações que a vida nos apresenta, apenas uma coisa puder ser mantida, recomendo que seja a dignidade. Tenho visto muitas pessoas preocupadas em manter a vaidade, as aparências, o orgulho, o emprego, o relacionamento, o status, enfim. Tenho visto muitas coisas serem colocadas como prioridade, mas a dignidade é algo que raramente se vê em primeiro lugar. E isso é, sem a menor dúvida, algo que me intriga.

De que adianta manter as aparências se o essencial - aquilo que não se pode ver - estiver num estado deplorável? Para que pintar as paredes da fachada, se dentro de casa o reboco das paredes cai e não se pode confiar nas fundações? Quero dizer, por que motivo haveremos de espanar uma felicidade e uma vida ilusória que, a bem da verdade, não está lá?

Por que se preocupar em manter um relacionamento a todo custo, se submetendo a humilhações, a acordos malfeitos, possíveis agressões ou mesmo noites solitárias ao lado do travesseiro onde repousa uma cabeça que nada tem a ver com a sua? Para dizer que está tudo bem? Para fingir que está tudo certo? Para que as pessoas não pensem mal de você? Ou apenas para ter uma companhia que, embora inadequada, é a única que se tem? Por que tanto medo da solidão?

Ora, tenho pensado nos últimos meses que dignidade é um estado de espírito, uma forma de viver, uma virtude ou apenas um conceito - vá saber. Fato é que este sei lá o quê é a diferença entre quem se entrega e quem resiste. Tenho notado que, se você, em cada situação, puder manter apenas isso, já terá feito o bastante.

Porque não se consegue pisar sobre uma pessoa digna. Não se pode piorar sua situação. Pode-se, claro, dificultar as coisas, mas uma pessoa digna estará sempre com a cabeça erguida e poderá surpreender em qualquer condição. Porque manter-se digno é o princípio de tudo.

Acredito que seja algo além de dizer a verdade. É, antes disso, viver esse estado de ser verdadeiro. É ser sincero com os outros, mas principalmente consigo mesmo, aceitando-se, vivendo o que se pode viver, e dando ao mundo o que se pode dar - nada além ou aquém.

Se me perguntassem qual é a minha definição para dignidade, eu responderia que é o estado de perene entendimento com o próprio travesseiro, num modo de viver que permite ao ser humano olhar diretamente para o seu semelhante, sem desviar olhar, sem nada temer, porque afinal de contas nada deve.

sábado, 31 de março de 2012

Bolsa de Mulher



Uma coisa me intriga há um bocado de tempo, desde o dia em que pela primeira vez pendurei uma bolsa em meu ombro: como é possível que papéis se multipliquem com tanta eficácia? Desde então, tenho observado algumas coisas e elaborado algumas hipóteses que gostaria de compartilhar com vocês, no intento de receber a solidariedade feminina e a compreensão masculina.
Bolsas são um acessório muitíssimo importante. Elas compõem o visual, ocupam as mãos quando não sabemos o que fazer delas e carregam dentro de si uma amostra de nosso mundo – itens que vão desde documentos, maquiagem, fio dental, chicletes, remédio para dor de cabeça, presilhas de cabelo, comprovantes de pagamento e amuletos até chupetas, fraldas descartáveis, mudas de roupa infantil e até a chave da porta dos fundos da casa da mãe de uma amiguinha da sua filha que ela conheceu no balé. E, claro, papeizinhos.

Toda bolsa contém papeizinhos. Essa deve ser uma das leis que regem o universo. É uma verdade inescapável. Você pode retirá-los de lá incansavelmente e, quando olhar de novo, haverá mais deles. Talvez eu esteja certa, quando digo que os papeizinhos se reproduzem. Basta fechar a bolsa e a bagunça começa. Quando há mais de um papelzinho, eles procriam por reprodução sexuada. Aí é uma bagunça louca: você guarda uma propaganda de escola e um cartão de empresa de aluguel de carros e, quando abre a bolsa, lá está um lindo bebê – um cartão com o telefone de uma van para levar as crianças à escola. E não fica só nisso. O cartão da van conhece uma propaganda de loja em liquidação e logo você descobre que – surpresa! - acabou de ser presenteada com um folder de concessionária em “queima de estoque”.

Claro que você sempre pode optar por não carregar papelzinho algum. Coloca o batom, os documentos e o dinheiro dentro da bolsa e sai. E é aí que você será apresentada à outra mazela da bagagem de mão: as moedinhas. Compre alguma coisa, qualquer coisa, e puff: você ganha mais moedas do que gostaria e, claro, elas vão cair no chão na primeira oportunidade, no lugar mais cheio de pessoas possível, no dia em que você estiver de vestido curto. E quando a pessoa não quer moedinhas? Paga com cartão e lá se vão os papeizinhos outra vez.

Outra característica especial desse acessório, é a sua capacidade de armazenamento. Sempre cabe mais coisas do que parece ser possível. E essas coisas nunca estarão acessíveis caso você precise delas. Bolsas são buracos-negros: fato incontestável. O que quer que caia lá dentro pode sumir por eras, até que você desista de precisar do objeto em questão. Aí ele aparece e te atrapalha a encontrar o que você passou a querer. E não se engane: se uma mulher consegue guardar batom, documentos, dinheiro, chiclete, chave do carro e foto três por quatro das crianças numa bolsa de mão, é coisa fácil guardar o estepe do carro numa versão a tiracolo.

Fato é que não há mulher que passe sem este acessório. Somos apaixonadas por bolsas e precisamos (do verbo necessitar) de várias, para sempre encontrar algo que estava perdido há anos. Afinal de contas, o que é a vida sem algumas boas surpresas?
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