segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Os ipês não mentem




Melissa parou sob o velho ipê amarelo. Olhou para o alto, para sua copa majestosa e colorida, viva e contrastante com a paisagem cinzenta e retorcida do cerrado há meses sem chuva, e se emocionou. Não por algum motivo óbvio; não por um sentimento declarado ou pela falta dele. Seus olhos marejaram por algo muitíssimo mais singelo que isso: ela vira uma casa de joão de barro e nenhuma imagem poderia tê-la feito sentir algo semelhante.

Enquanto seus olhos se voltavam para o céu, tentando captar a grandiosidade de seu lugar favorito no mundo inteiro, o sol ofuscou seus olhos. Ela os desviou e, quando recobrou o sentido, lá estava a minúscula construção de barro - tão singela, tão sutil, tão simples em sua combinação ton sur ton com as cores do cerrado, que dificilmente Melissa a teria visto. Acontece que os olhos só veem o que estão preparados para captar. E aquele, indubitavelmente, era o seu momento.

Voltara à pequena cidade como uma vencedora: envergara um tailleur, saltos altos e um sotaque carregado de importância. Retornara vitoriosa: deixara para trás os dias de míngua, o pão com manteiga e os velhos amigos. Agora tudo em sua vida era glamour e, acredite, ela tivera uma boa dose disso. Acontece que algo como um comichão estava sempre presente e ela sabia o que era. Tratava-se do prurido ininterrupto de tudo o que não fora e que ela jamais saberia como poderia ser.

O inacabado era um espinho que não se podia retirar. Era uma espécie de certeza dúbia. Certamente teria sido maravilhoso, mas seria o suficiente? Melissa precisava viver, experimentar, se provar e se afirmar. Não. Não teria sido o suficiente, ela repetia para si mesma.

Talvez tivesse uma casa simples, pequena e confortável. Talvez conseguisse ter belos finais de tarde, enquanto balançava uma criança em seus joelhos. Ou, quem sabe, encontrasse prazer em esperar que o dia chegasse ao final, para então repousar a cabeça no peito largo e acolhedor de Tiago. Talvez tudo isso fosse realmente incrível, mas ela provavelmente se sentiria sufocada. O mundo era um cardápio demasiado tentador para se ignorar.

E lá estava ela, loura, alta, rica, bem resolvida, poliglota e absolutamente embevecida pela simplicidade de uma casa de joão de barro. Teria jogado para longe de si um futuro feliz? Essa era a parte que ela mais detestava no fato de fazer escolhas. O que ficava para trás era sempre muito incômodo, sempre atrativo. Ou será que o momento atual é que não conseguia ser bom o suficiente para fazê-la se aquietar? Ah, como ela odiava sentir-se encurralada por escolhas que sequer poderiam ser feitas novamente.

Percebendo a frustração tomar conta de si e manifestar-se como um gosto amargo na boca, Melissa baixou os olhos. Passou a mão pelos cabelos e já ensaiava mais uma das mentiras compassivas que costumava inventar para si mesma, quando uma mão tocou seu ombro. Quem sabe tenha sido o susto, ou algo mais - não há como afirmar - mas tudo em si ficou alerta de uma forma que há muito não ocorria.

- É a mesma casa daquele tempo. - Uma voz grave, baixa e macia falou e Melissa derramou duas lágrimas.
- Como você sabe? - Ouviu-se perguntar.
- A árvore ainda tem a nossa marca.

Melissa contornou o ipê. Sua respiração era superficial e ela sentia-se uma marionete cujos movimentos não são mais que um mover de cordas. Estava lá - o coração mal entalhado, as letras juvenis e cheias de uma esperança tão pura que provocava dor à mera lembrança. Estava lá, logo abaixo da casa de joão de barro, o lugar onde juraram ser um do outro até o fim dos tempos.

Virou-se e, sem quê nem porquê, beijou-o. Não como as crianças que foram, mas com toda a certeza que as escolhas lhe deram e tiraram ao mesmo tempo. E as lacunas foram sendo preenchidas. E Melissa descobriu o que a faria feliz, o que complementaria tudo aquilo que ela lutou para se tornar.

- Acredita que é possivel? - Melissa perguntou, fitando os olhos negros de Tiago.
- Ouvi dizer que os ipês não mentem.


Beijinhos
Fê Coelho

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Comemoremos!



Vez em quando, gosto de me fazer algumas perguntas. Gosto de questionar o motivo de eu fazer ou deixar de fazer algo e hoje, na iminência dos quinze mil acessos, voltei a me perguntar: por que diabos estou nessa de escrever? A resposta continua parecida com a anterior. Um pouco mais refinada e mais sincera, talvez.

Escrevo porque simplesmente não posso viver sem isso. Viciei-me nas palavras e estou irrecuperavelmente fadada a fazer reflexões e confissões - retratos de alma em forma de letras - até quando minha sanidade mental permitir. Componho textos porque em vários momentos meus pensamentos transbordam, porque eles não conseguem se aquietar. Faço isso porque não consigo pensar em outra maneira de ser.

Talvez o motivo principal seja pura e simplesmente o seguinte: escrevo porque isso me faz feliz.

Deixo aqui o meu mais profundo agradecimento a todos os meus leitores (acho muito chique dizer isso... hahahahahah). Agradeço a cada um que acompanha minhas ideias malucas e que trata com tanto respeito essas palavras que eu deixo por aqui.

Um beijo enorme
Fê Coelho



quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sobre Epitáfio e Coragem



Uma das músicas mais bonitas e mais tristes que conheço leva o nome de Epitáfio e chegou-me aos ouvidos pela televisão, assistindo a um clipe dos Titãs. Àquela época, no auge da inocência (e da sensação de maturidade) que só a adolescência pode proporcionar, julguei-me capaz de apreciar a música. Mal sabia eu, entretanto, que apenas captava sua melodia. Os versos só foram compreendidos muito recentemente e talvez eu ainda tenha apenas uma percepção parcial do que eles representam.

Penso que colecionar várias coisas que deveriam ter sido feitas deve ser algo muitíssimo frustrante ao final dessa sequência de dorme e acorda que é a vida. Porque se tudo se resume a isso - abrir e fechar os olhos - a diferença que se encontra entre a vida de um e outro indivíduo é o recheio, o que ele andou fazendo entre o acordar e o dormir.

Talvez tudo passe pela maneira de encarar a vida. Talvez o possível autor do epitáfio de que trata a música estivesse apenas tendo um dia ruim. Ou quem sabe ele realmente tenha se arrependido de ter vivido uma vida estressante e de alguma forma apenas morna. De qualquer maneira, não importa o estado de espírito do narrador, ele me levou a pensar sobre minha própria vida e tirar desse matutar uma conclusão: Se eu precisasse escolher uma só palavra para dar o tom aos meus dias, seria "coragem".

Não quero com isso dizer que sou uma pessoa totalmente corajosa. Sei que um milhão de vezes por dia me acovardo diante de fatos concretos e possibilidades lá no limbo. Mas reconheço que andei agarrando a vida com as unhas, que andei fazendo uma e outra escolha difícil e que tenho me sentido mais forte do que me sentia há um ano, por exemplo.

Sabem o que acontece? Todos os dias, quando a gente abre os olhos, a vida pergunta: "E aí? O que vai ser?" e te dá o dia inteiro pra escolher. É todo um fotoperíodo de possibilidades, de escolhas que você pode fazer e controlar. É mais um abre e fecha de olhos que você pode modelar como massinha ou ver passar como água de rio. É tudo uma questão de escolha. Sempre foi e não vai deixar de ser. Mas não se engane: mesmo as escolhas pequenas exigem coragem.

É preciso coragem pra largar um saco de batatas fritas, abrir mão dos doces em excesso, calçar um tênis e sair para uma caminhada. Sabe por quê? Porque isso significa mudar. E mudanças, não importa o tamanho, exigem valentia. Nem sempre é fácil trocar algo com o qual se está acostumado e ir em busca do desconhecido.

É necessário bravura para aceitar as pessoas, os problemas, os dias ruins e mesmo os bons. Porque tem gente que não tem coragem de assumir que está feliz. Algumas pessoas são tão agarradas às suas reclamações, que aceitar a felicidade torna-se um dos Trabalhos de Hércules. E fico me perguntando de onde vem essa política de apologia ao sofrimento. Questiono-me sinceramente sobre o motivo de todo mundo gostar de dizer que as coisas vão mal. E pior: as pessoas gostam de falar que está tudo lascado, sem, no entanto, fazer nada para melhorar.

Coragem, minha gente, o tempo está passando. Coragem, que os olhos lá vão se abrindo e fechando. Coragem, pra rechear os dias com boas escolhas. Bravura, pra aceitar o curso da vida, para abrir o caminho à base de atitudes.

Não se pode fechar os olhos para o fato de que cada um faz de sua própria vida o que escolhe fazer. Mesmo que haja problemas, por mais que os imprevistos e tombos existam, há sempre um meio de refazer as situações. Há sempre um meio de reconstruir o que quer que seja. Porque, no final das contas, as pessoas podem te derrubar, mas não podem tirar sua disposição para se levantar.

Beijinhos
Fê Coelho


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Vende-se



Vendem-se papas na língua, em razoável estado de conservação pelo excesso de uso, mas com capacidade funcional plena.
Vende-se um superego exigente.
Vende-se um fardo de bom-senso.
Vende-se uma cabeça que pensa demais e um coração que sente além da conta.
Vendem-se sonhos.
Troca-se horas de reflexão por horas de ócio mental.
Troca-se um pouco de consciência da realidade por um pouco de inconsequência.

Solicita-se, entretanto, a compreensão dos interessados, visto que a negociante é apegada aos itens em oferta e pode - no último instante - não querer abrir mão deles.

Beijinhos
Fê Coelho

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Eu experimentei



Olhando fotos recentes e outras tiradas há um ano, mais ou menos, fiquei espantada ao ver a mudança em meu rosto. Não, eu não fui atropelada. Não, eu não fiz nenhuma cirurgia estética. Nem peeling, nem botox. Nem nada disso. O que aconteceu comigo foi que eu Experimentei. E nada nessa vida poderia ter feito tanta diferença.

O leitor já deve estar acostumado com minhas conclusões absurdas, e provavelmente já sabe que darei início aos argumentos. Acompanhem o raciocínio.

Em primeiro lugar, experimentei romper com uma situação insustentável. Isso, por si só, já trouxe um quê de leveza totalmente inesperado. Todavia, esse foi apenas o primeiro passo - um dos maiores, mas não o maior. O passo gigantesco de verdade foi dado pra dentro e tornou-se o que fez a diferença real nas fotos.

Experimentei enxergar-me com olhos curiosos, como se fosse um livro novo, com uma história que se torce sobre si mesma, mudando os parágrafos e capítulos, trazendo ao leitor o real significado. Uma história que só se mostra para os que realmente desejam conhecê-la. Experimentei aceitar as partes boas e não julgar as ruins. Ousei me olhar nos olhos, dizer "Prazer, estranha" e tratar de me conhecer.

Pratiquei o desapego. Das roupas velhas, das lembranças usadas, do que eu achei que tivesse sido ou o que  gostaria que fosse. Desapeguei-me do não tão bom e já bem velho "eu não consigo". Livrei-me do que me segurava, do que me atrasava e do que me atracava. E, principalmente, desapeguei-me de mim, da imagem que fazia de mim mesma, dos conceitos antigos e de tudo o que acreditava ser verdade. Duvidei sinceramente de cada uma de minhas certezas, para encontrá-las novamente - mais vivas, refeitas e polidas.

Experimentei experimentar - comidas, músicas, lugares, roupas, maquiagem, o que fosse. Experimentei ser companhia para mim mesma. Experimentei ouvir o que eu tinha pra dizer, sem me censurar. Ousei dirigir, pegar a estrada, calibrar pneu, procurar endereço e aderir ao uso do telefone celular. 

Testei assumir a responsabilidade pelos acontecimentos em minha vida e desse fato surgiu um melhor ainda: assumir Somente a parte que me cabe. 

Provei a inigualável sensação de autonomia que vem com o "faço porque quero", "visto porque gosto" , "escuto porque me apraz", "escrevo porque me deu na telha". Tomei a liberdade de não exigir das pessoas algo que elas não podem oferecer e, em alguns casos, tenho sido subversiva o suficiente para não esperar absolutamente nada.

Muitas dessas coisas não aparecem nas fotos. Foram elas, entretanto, que me permitiram um sorriso de verdade, olhos realmente brilhantes e uma cara de felicidade bem resolvida. E isso sim, a câmera fotográfica  consegue captar.

Beijinhos
Fê Coelho


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