Caríssimo senhor motorista do carro a uma distância de ridículos 20cm do meu pára-choque traseiro.
É muito respeitosa e ironicamente que lhe escrevo esta carta, senhor filho da mãe.
Gostaria de explicar, por meio desta, que não é pessoal o fato de eu não me enfiar em baixo do caminhão cegonha de 42m de comprimento, carregado, localizado imediatamente à minha direita. Acontece que tenho um distúrbio neurológico chamado "amor à própria vida", que me impede sumariamente de atender à sua insistente e luminosa solicitação.
Sinto muitíssimo pelo fato de meu carro não ser capaz de voar, saltar ou coisa que o valha, de modo que o senhor - ser humano que acumula toda a pressa da região - possa passar livremente pela pista que eu ocupo durante um período de tempo equivalente a uma piscadela.
Espero que entenda que não posso dispor de minha vida da maneira que bem me aprouver, visto que sou responsável por menores incapazes. Rogo que compreenda o fato de eu não estar disposta a me envolver em um acidente automobilístico. E, se me permite a repetição, credito essa indisposição ao meu distúrbio neurológico supracitado. Tenho um apego terrível às ações de inspirar e expirar, associado ao pânico gerado pela possibilidade de cessação dessas atividades.
Ressalto que tocar o pedal referente ao freio, ainda que levemente, ou mesmo retirar o pé do acelerador por míseros segundos não há de lhe fazer mal.
Na esperança de que o senhor tenha chegado a tempo de retirar o pai da forca, me despeço.
Acrescente aqui um palavrão e um gesto não muito amigável.
Fernanda Coelho
1 comentários:
Pois é, claro que eu não dirijo, mas fico com medo desses loucos que recém descobriram a buzina e não vêem a hora de por pra funcionar.
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