Costumo dizer, em muitas situações, que deveríamos ver nossa vida como quem observa do alto de uma montanha (bem distante, bem alto) um pequeno vilarejo cravado no vale entre os morros. O distanciamento faz admirar: ver com olhos compassivos as casinhas caiadas de branco, as ruas estreitas e o silêncio. O afastamento permite imaginar que o lugar é simplesmente pacato e bucólico. Olhar um vilarejo assim muito de perto faz ver os defeitos, as paredes descascadas, os buracos nas ruas, os cães vadios, os vizinhos brigando pela localização das cercas. Assim também nossa vida, quando vista com um certo grau de afastamento, parece bem mais encantadora.
Não acho que as diferentes formas de se ver a mesma situação sejam, em si, um problema. Pelo contrário: penso que temos várias lentes para avaliar os fatos, sensações, memórias e a vida como um todo, cabendo a cada um a escolha de qual delas será usada para ver o quê. Nossa forma de enxergar pode fazer de um mesmo fato alto catastrófico ou apenas mais um aprendizado; pode tornar uma memória algo que traga uma saudade daquelas gostosas, ou um lamento amargo - tudo depende do filtro que se usa.
O próprio tempo pode ser interpretado por meio de recortes e, nesse caso, talvez seja bom inverter o raciocínio do vilarejo entre morros. Andei pensando a esse respeito nos últimos dias e cheguei à conclusão de que, no que tange o tempo, a melhor lente é a de aumento. Prestamos um belíssimo favor a nós mesmos, quando nos concentramos no exato momento em que nos encontramos, deixando de lado os lamentos a respeito do passado e as angústias sobre o futuro. Por mais clichê que seja, isso simplesmente não entra na maioria das cabeças, a minha incluída: o único momento a respeito do qual pode-se fazer algo é o presente.
Retomando o raciocínio do vilarejo ao inverso, é mais fácil lidar com uma rachadura na parede do que com um povoado inteiro. É mais fácil silenciar os vizinhos agora, tapar um buraco na rua no instante seguinte, mandar as crianças para o banho depois, ajeitar um telhado em seguida e assim por diante. Nesse sentido, pouco adianta reclamar do todo: trabalhar para melhorar uma coisa de cada vez, vivendo apenas o momento em que se encontra pode ser uma forma muito mais viável de gastar o oxigênio disponível no planeta.
Na última semana, enquanto pensava sobre essa crônica, experimentei me fazer várias vezes a seguinte pergunta: "nesse exato instante, descontando o minuto anterior ou o que virá, como me sinto?". O resultado da experiência foi revelador. Na maior parte das vezes, a resposta era simplesmente "estou bem". Algumas vezes, é claro, eu estive cansada, preocupada, ou mesmo com raiva. Mas esses momentos foram a minoria. Por que, então, contaminar todos os outros instantes com os resquícios de uma minoria desagradável?
Estou tentando viver mais leve. Tenho me esforçado para ser eficiente no momento em que posso ser, deixando de lado o que foge ao meu controle.
Ser é mais bacana do que seria. Gostar é mais legal que gostava. Estar bem é melhor que (Pre)ocupada com aquilo que simplesmente não é palpável. O presente do indicativo acrescenta mais que o pretérito mais que perfeito. Entre vários sabores fictícios, eu escolho o prato do dia - que é real, meu e que posso apreciar como queira. Espero que funcione. Tanto para mim, quanto para vocês.
Beijinhos
Fê Coelho.
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