sábado, 27 de abril de 2013

Em Paz



Existe uma sensação que de vez em quando me acompanha, chegada não sei bem de onde, nem por que motivo; uma coisa boa, que me faz um bem danado. Essa sensação vai chegando de mansinho, às duas da tarde de uma terça feira qualquer, ou às nove de uma segunda feira. Ela não escolhe dia ou hora. Só quer chegar.

Existe um sentimento que aparece de mala e cuia, vindo das profundezas do infinito, dum lugar que ninguém sabe onde fica. É uma sensação peregrina, que não gosta de fixar residência, mas que sempre volta a me visitar; e quando chega, espalha as malas pelo chão, encontra um vestido de algodão, chinelos de dedo e se faz em casa. Toma conta de tudo o que há em mim, abre meus olhos - janelas da alma - para deixar entrar as cores do dia; escancara meu sorriso - porta entreaberta - para deixar passar o que há de bom e me transforma outra vez.

Estou falando de uma sensação de que tudo vai bem, e de que tudo vai dar certo. Falo de um contentamento moderado e gostoso como lagartear num dia de inverno, quando o sol tempera aos poucos a frieza da noite e colore o dia com cores inesperadamente vivas.

Existe, sim, um sentimento que nos arrebata de mansinho; um que vem chegando aos poucos como criança que se enfia por baixo das cobertas dos pais. Existe, sim, essa sensação que vai crescendo dentro da gente e fazendo morada; uma que fique conosco enquanto tiver permissão para ficar.

Esses dias, resolvi perguntar seu nome, por não saber como classificá-la. "Não sei por que nome devo te chamar", eu disse. A sensação me piscou longos cílios  e brindou-me com um sorriso arrebatador ao responder "vocês, humanos, complicam muito as coisas". Nada disse, apenas olhou para o céu, espreguiçou-se longamente, suspirou e voltou a sorrir. Fiz o mesmo e descobri: o nome desse sentimento que anda me fazendo companhia esses dias é pequeno, simples e precioso ao extremo.

Quem fez morada aqui comigo, tornando meus dias mais bonitos; quem me faz sorrir sem motivo é uma sensação quentinha como ficar ao sol num dia de inverno. E esse sentimento atende pelo singelo nome de Paz!

Um bom final de semana a todos
Beijinhos,
Fê Coelho

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre Elefantinhos e Problemões



Desconfio que assim como eu, várias pessoas tenham se apaixonado pelo pequeno Dumbo - o elefantinho orelhudo, vítima de bullying e com vocação para acrobacias aéreas. O que não sei é se o filme provocou nos expectadores de maneira geral o mesmo efeito que causou em mim: o de passar a achar filhotes de elefante algo muito fofo. Eles parecem tão engraçadinhos e desprotegidos que dá vontade de pegar e levar pra casa. É exatamente o que fazemos com alguns aspectos de nossa vida: adotamos, protegemos e alimentamos hábitos, posturas e problemas que, exatamente como os elefantinhos, vão crescer e se tornar um problemão. Aconteceu comigo. Acontece com um monte de gente.

Quem nunca se pegou com aquele pensamento procastinador e - confessemos - meio covarde de deixar para depois? Existem algumas situações com as quais preferiríamos não lidar, seja porque nos é incômodo, porque não sabemos como resolver ou até porque não gostaríamos de dar um fim a elas. Então passamos um bom tempo vivendo como se o problema em questão não existisse, ou como se não passasse de um enfeite, um bibelô qualquer. Aí reside a encrenca toda: problemas não são bibelôs! Perrengues não são coisas estáticas, que podem ficar anos a fio relegadas a um canto, para depois serem resolvidas. Problemas são como filhotes de elefante que se criam na sala de casa e que cedo ou tarde vão acabar ocupando todo o espaço disponível - a menos que se dê a eles um destino apropriado.

Eu exemplifico. Com o advento da banda larga, o surgimento dos dispositivos móveis e toda essa parafernália tecnológica que eu falharia miseravelmente em descrever, surgiu a oportunidade da educação à distância - uma excelente pedida para quem tem o mínimo de disciplina. Confesso que não é a primeira vez que tento essa modalidade de ensino. A diferença é que agora vai! Não foi só um curso que ficou pelo caminho, sem que eu o terminasse. Das outras vezes, a procastinação - que era apenas um fofo e insistente bebê elefante - tornava-se adulta e impossível de se lidar, tal qual um elefante adulto e barulhento. O prazo acabava, a paciência também e lá se ia o meu tempo e o meu dinheiro pelo ralo - exatamente porque falhei em lidar com um problema enquanto ele era pequeno. É exatamente o que estou tentando fazer agora: dar um destino aos maus-hábitos, manias e perrengues enquanto posso lidar com eles.

Não quero dizer que seja fácil. A maior parte das vezes temos problemas de estimação - inseguranças, medos, hábitos, ciúmes, crenças e situações - dos quais não conseguimos nos livrar. Isso me faz lembrar de uma anedota que ouvi, não me recordo bem onde ou quando, e que narra a história de uma pessoa que atravessava um rio agarrada a uma pedra. À medida que a pessoa se afogava, os amigos gritavam para que ela soltasse a carga. A isso, ela teria respondido: "não posso, porque essa é a Minha Pedra". Em outras palavras: é o meu ciúme, o meu espaço, o meu medo, o meu emprego, o meu relacionamento, o meu desejo de salvar o mundo, a minha crença de que eu posso mudar as pessoas, e por aí vai. Afogamo-nos, mas não largamos. Deixamos que o problema cresça,  mas não o resolvemos.

A questão é que, assim como os elefantes, tudo o que alimentamos cresce e consome mais e mais de nós. O que é nocivo piorará; seja por questões práticas ou pela nossa inaptidão em resolver a situação. Os monstros embaixo da cama adquirirão mais escamas, os medos aumentarão, as mentirinhas e pequenas ilusões renderão grandes perdas. O essencial é ter coragem para reconhecer o que pode ser um bebê elefante - por mais fofo que seja, por mais gentil, desprotegido ou mesmo ameaçador que seja - e então desapegar. Porque em algum momento a gente aprende: algumas coisas são necessárias; outras não.

Beijinhos
Fê Coelho


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Crônica de Quinta: Seu Manoel e Eu



Acredito que a maioria das moçoilas que moram sozinhas conhecem a figura de quem pretendo falar. O senhor Manoel - que eu carinhosamente chamo de Seu Manoel, Maneco ou, se estiver com muita raiva, Mané - é da turma da Isaura. Trata-se de uma das criaturas imaginárias e palpiteiras que fazem parte da Galera Aqui de Casa.

No que se refere a pequenos reparos, nossa sociedade é praticamente unânime: isso é papel de homem! Daí decorrem batalhas homéricas entre donas de casa revoltadas com a capacidade dos maridos para procastinar e maridos embasbacados com o quanto as mulheres podem ser insistentes - especialmente quando eles já disseram que vão dar um jeito em tudo. Acontece, leitor querido, que nem todas as leitoras têm um marido com quem brigar ou uma figura masculina para quem fazer beicinho, prometer vantagens ou argumentar a cada vez que uma pia entope, um varal despenca ou uma lâmpada queima. E é nesse ponto da conversa que surge a figura do Seu Manoel.

Seu Manoel é um distinto senhor, lá pelos seus setenta anos de idade. Viúvo, teve que aprender como educar seus doze filhos, hoje dispersos por esse mundão velho e sem porteira. Desconfio que ele tinha uma veia inclinada às ciências humanas, porque quis viver a experiência de cuidar dos filhos, só pra saber se era possível. E foi. De alguma forma, isso transformou profundamente o sistema de crenças do Seu Manoel e fez dele uma espécie de feminista. Hoje ele se diverte fazendo visitas a mulheres que precisem fazer o que ficou rotulado como "coisa de homem". O objetivo é incentivá-las a serem fortes, independentes e bem-resolvidas. Tenho cá minhas dúvidas sobre a pureza das suas intenções. Todavia, continuemos.

Meu primeiro contato com o Maneco foi durante a faculdade, quando um ralo de banheiro entupiu. Considere, o leitor, que eu morava num apartamento dividido com outras três mocinhas. O ralo estava entupido. O banheiro não funcionava. Ninguém queria pôr a mão para resolver o problema (convenhamos que isso é nojento). Aí o Seu Manoel chegou, usando um paletó xadrez com napa nos cotovelos, um lenço no bolso, e os cabelos grisalhos cheios de brilhantina escondidos dentro de uma boina. Lembro-me de que ele sorriu, olhou no fundo dos meus olhos e disse "Mas fia, isso é facim demais de resorvê! Ocê bota um saco na mão, tira a tampinha do ralo e vai com fé. Bota a mão lá dentro e arranca as tranqueira tudo de lá. Aí depois bota a tampa e vai tomar banho. Té parece que tem dificurdade nisso..." .

É como eu digo, leitor, a Galera Aqui de Casa faz o que quer comigo. Fato é que eu desentupi o ralo e de lá pra cá o Seu Manoel decidiu investir no meu potencial. Já me ensinou a trocar lâmpada, calibrar pneu de carro, consertar varal, ajeitar a TV quando ela resolve chiar, entre outras coisas. Quando eu penso que não vou resolver algo, ele aparece do nada e dispara "deixa de bobagem, fia. Isso aí é facim demais de resolver".

O problema é que ele é meio confuso. Nem sempre sabe bem o que está fazendo. Já peguei o Seu Manoel procurando vídeo tutorial no Youtube e sites do tipo "faça você mesmo". Aí ele se justifica, dizendo que no tempo dele era tudo mais fácil, que as gerações seguintes complicaram tudo. Mas não desiste, o danado! Vai dando um jeitinho, tentando outra forma de argumentar até que me convence. A menos que a Dona Expedita apareça e diga que quer um picolé de limão. Nesses casos, ele me abandona com a chave de fenda na mão e foge, vá saber pra onde.

Não sei se ele é um feminista que busca incentivar as mulheres a expandirem suas habilidades, ou se é um machista querendo convencê-las a darem uma folga aos seus maridos. Seu Manoel é dessas figuras que a gente não entende bem, mas aceita. Até porque quando ele resolve aporrinhar, é pra valer. Disse e repito: sou uma alma fraca, leitor. Trocar a lâmpada não é divertido, mas ver o Seu Manoel explicar até tem a sua graça. E que se registre: a mulher que nunca deu ouvidos ao Maneco, que atire a primeira bolsa!

Beijinhos
Fê Coelho

Crônicas de Quinta



Ei, gente.
Poucas vezes eu me dirijo assim, tão diretamente aos leitores, como quem conversa. Às vezes essa interação acaba transparecendo, mas de forma muito fugaz, como quem pula o muro, pega a bola na casa do vizinho e sai correndo pra pular o muro de volta. Hoje, entretanto, eu gostaria de falar com você, leitor.

Quero primeiro agradecer a você, leitor querido, pela companhia no caminho que venho construindo, parágrafo por parágrafo, nesse mundo de ideias. Agradeço a todos pelo respeito com meus escritos e pelo carinho que muitas vezes tenho recebido. Não esperava isso. Não achava que pudesse acontecer. Mas aos poucos algo tem acontecido. E andei pensando que escrever com uma regularidade maior possa ser uma forma de demonstrar o meu apreço às pessoas que acompanham o blog.

É por isso que resolvi testar uma forma mais regular de escrever. Pretendo me dedicar a publicar, às quintas-feiras, crônicas que deverão integrar as Crônicas de Quinta. A ideia é fazer do blog algo melhor que um lugar para organizar os pensamentos que transbordam. O teste aqui vai ser de regularidade e disciplina. Juro que quase tenho um faniquito quando penso em uma quinta-feira qualquer em que eu não encontre nada sobre o que escrever. Por outro lado, o desafio compensa.

Estejam, portanto, convidados. As crônicas podem ser de quinta, mas os leitores são de primeira!

Beijinhos
Fê Coelho

terça-feira, 16 de abril de 2013

Pior seria



Hoje arranhei o carro. Uma meleca, eu sei. O que você, leitor, não sabe é que foi uma meleca das piores, porque foi precedida de uma intuição. E todo mundo sabe que intuição é uma voz misteriosa que fica azucrinando o juízo da gente, te exortando a fazer algo ou a abandonar uma ideia. Sabe qual é a pior parte de se ter uma intuição? Na minha opinião, é o fato de que você toma a decisão, mas nunca saberá a alternativa. Quer dizer, a gente fica com o resultado e lida com ele; o que poderia ter sido - ah, meu bem! - fica só no plano das ideias.

Talvez eu me faça mais clara, se contar o que houve.

Precisei sair para resolver algo chato, num lugar um pouco chato e que implicaria no pagamento de taxas - o que é o cúmulo de toda a chatice prevista para um dia que deveria ser de descanso. Pulemos a parte em que eu fico rabugenta, e sigamos. O plano era ir à pé. Quando eu ia saindo, algo aqui na minha consciência, bem lá no fundo, num lugar de onde a gente só escuta o eco disse para mudar os planos originais e ir de carro. Fui. Arranhei o carro. Me irritei e até agora estou tentando me convencer de que algo bem pior poderia ter acontecido se eu tivesse desobedecido a essa voz misteriosa. Quero dizer, eu poderia ter sido assaltada, não? Poderia ter sido atropelada, sequestrada, poderia ter quebrado o salto. Melhor deletar essa última, porque eu estava de sapatilha. Mas muita tragédia poderia ter acontecido, se eu tivesse ido à pé.

Aí comecei prestar atenção a quantas vezes eu já fiz isso. Para cada situação ruim, eu tinha uma pior que me consolasse, me colocasse no colo e dissesse "tudo bem, querida. Está tudo bem. Pior seria se..."

Dessa forma, se caía um pé d'água na minha cabeça, na volta para casa, pior seria se eu estivesse indo para o trabalho. E se eu batesse o dedão no canto do sofá e quebrasse a unha, muito pior se quebrasse o pé. Se ficasse presa no engarrafamento causado por um acidente, me consolava pensando que poderia ter sido eu envolvida no emaranhado de carros amassados. Se vejo um furo na roupa que queria usar para sair, pelo menos eu vi antes. Quando o cansaço bate, lembro que pior seria estar desempregada. Se um relacionamento naufraga, pior seria manter por mais tempo algo que ia naufragar de qualquer maneira (melhor agora que aos oitenta). Um amigo te traiu? Pior seria se você não descobrisse. Sentiu dor de garganta? Que bom que não é algo pior. E assim segue.

Sei que isso pode se assemelhar ao Jogo do Contente. Entendo que fazer a Pollyanna não seja bem-visto em muitas situações que envolvem o mundo dos adultos, onde reclamar é tão em voga. Todavia, acho que fica tudo muito insuportável se eu for apenas me irritar com aquilo que não saiu exatamente como eu gostaria. E minha intuição? O que fazer com ela?  Se eu não puder acreditar que ela serviu para me salvar de algum acontecimento catastrófico, melhor encontrar uma loja esotérica e comprar uma bola de cristal nova. Porque a minha, coitada!, tem vezes que parece estar quebrada.

Não acho que eu vá mudar esse meu hábito. Tenho a tendência de ver o melhor de cada situação; ou de pelo menos ver o que não saiu de todo errado. Provavelmente vou continuar a escutar meu próprio Grilo Falante e a ser indulgente com ele. Meu Grilo Falante às vezes se confunde, coitado. Talvez já esteja meio senil. Mas muito pior seria se ele não dissesse nada; ou se eu não tivesse imaginação suficiente para justificá-lo.

Beijinhos
Fê Coelho

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Gente Avulsa



Sem saber por que, sempre tive certa admiração por pessoas que andavam sozinhas. Achava, quando criança, lindo ver fotos de mulheres superfelizes de braços abertos na praia ou olhando para o nada com um sorriso cinematográfico estampado no rosto. Outras imagens que me atraíam eram as fotos de mulheres muito respeitáveis, caminhando felizes e sozinhas por uma rua, cheias de sacolas de compras. Havia ali algo apelativo, absolutamente encantador. Era algo que eu queria para mim, mas o que era mesmo?

Àquela época, eu não tinha como compreender o motivo de tal fascínio. Hoje entendo que aquilo que realmente me era apelativo  não era outra coisa senão a sugestão de liberdade. Encantava-me a ideia de que alguém pudesse realmente aprender a viver e ir a todos aqueles lugares sem necessariamente estar acompanhado. Ora, considerando que eu era apenas uma criança e que precisava de um adulto responsável até para ir à esquina, esse raciocínio se justifica. Daí veio a sensação que durante muito tempo me acompanhou e que me dizia "não se pode ir muito longe sozinho".

Acontece que o tempo passou e eu mantive essa admiração pelas pessoas que andam por aí avulsas. Continuei a achar o máximo ver figuras de mulheres fortes e bem-resolvidas, indo e vindo, dirigindo para todo lado, tomando decisões e, claro, apreciando a própria companhia.

Talvez essas coisas tenham feito parte do meu imaginário por tanto tempo em função do quanto foi demorado o meu processo de aprender a estar só.

Ainda hoje essas pessoas têm lugar de destaque em minhas observações de cotidiano - de uma forma menos embasbacada, é verdade. Hoje ainda acho bacana, quando observo uma pessoa serena num lugar qualquer, comendo, lendo, caminhando ou apenas não fazendo nada - mas não tanto quanto antes. Talvez a situação tenha perdido aquele verniz de encantamento por um fato simples: hoje eu também faço isso. Não existe mais novidade nesse fato. Nada de extraordinário há por trás do silêncio de uma pessoa sentada a sós num parque qualquer - exceto um mundo interior tão rico quanto se pode supor, ou mais.

Dos olhos para dentro pode haver tristeza, saudade e medo; pode ser que exista solidão, ou alegria. Por trás da faixada distraída de alguém que está por aí descolado dos outros, pode haver apenas uma calma tranquila e bem resolvida, ou quem sabe haja pensamentos que gritam e fazem uma balbúrdia tão grande que é como se a criatura estivesse em meio a uma micareta.

Fato é que hoje eu sei: por trás do silêncio de uma pessoa só, pode haver tudo - absolutamente tudo, inclusive nada.

Beijinhos
Fê Coelho

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...