Não era para hoje essa crônica. Nem para ontem. Na verdade, estou em débito com alguns leitores desde a semana passada e há apenas dois segundos, eu ainda tinha a minha filha caçula pendurada no meu pescoço. Até que eu pedi "cinco minutinhos pra mamãe escrever uma crônica" e elas partiram para a sala. Nesse exato momento, estão morrendo de rir de algo que não sei bem o que é (um arrepiozinho de preocupação aqui). Sobre o que, então eu queria falar há tantos dias? Sobre o conceito de Mãe Faixa Preta e seu derivado a Mãe Faixa Branca.
A primeira vez que vi essa expressão, foi num livro da Marian Keyes. Uma personagem usou esse termo para falar sobre o quão difícil era lidar com a vizinha - que tinha uma vida toda estruturada, filhos lindos, polidos, educados, talentosos, atarefados e poliglotas. A infeliz sempre sabia o que fazer, tinha tudo sob controle, nunca se exasperava, os filhos não choravam, não davam birra e já escreviam o próprio nome em mandarim (ok, exagerei). E eu preciso confessar: como eu me identifiquei com a sofrida personagem mãe faixa branca!
Outro momento que me fez refletir muito foi a visita a uma grande amiga que acabara de receber a credencial de mãe. Liguei para ela e ofereci ajuda - resumindo, eu ficaria com o bebê para que ela pudesse tomar um banho, dormir cinco minutos, comer algo, essas coisas que a gente precisa fazer e pouco realiza quando se está com um bebê pequeno. Na ocasião, minha amiga me disse - e me sinto traída e traidora até hoje - que ninguém nunca havia falado sobre as partes difíceis. E foi quando eu me dei conta: no que se refere à maternidade, temos a mania de exaltar o que é lindo e jogar o que não for assim tão glamouroso para debaixo do monte de fraldas (porque o tapete já não pode ser usado; sabe como é, o bebê tem alergia). Até aí, todo mundo faz. Mas, convenhamos, tem gente que exagera.
Minha sensação é que, desde o primeiro comercial de margarina e talvez bem antes disso, a imagem de família perfeita venha se refinando e se tornando cada vez mais inatingível. São apenas momentos lindos de puro lazer e deleite, com luz bem posicionada e várias fotos nas redes sociais. As pessoas foram se aprimorando na arte de fazer crer e, corrijam-me se eu estiver enlouquecendo, fizeram dos pimpolhos pequenos troféus que carregam para cima e para baixo. São as mães faixa preta.
Agora a criançada sai das fraldas cada dia mais cedo - afinal de contas o filho da vizinha já saiu. É menina que aprende a ler quando nem sabe que terra não é comida, menino que vira um videogame do avesso aos dois anos e meio, criança que usa termos tão complexos que Ruy Barbosa teria lá suas dificuldades em lidar com ela. Nada contra. Juro, juradinho. Só não entro nessa barca. Sou uma mãe faixa branca.
Entenda, leitor. Eu amo ser mãe. Faço isso com todo o meu coração e não saberia fazer outra coisa da minha vida. Mas confesso não ser perfeita. Frequentemente, acontecem coisas que me fazem pensar "e agora, José?". Cinco vezes por dia, eu respiro um pouco mais fundo. E simpatizo do fundo do coração com uma amiga que certa vez me disse já ter considerado roubar galinhas para ir para a prisão - direto para a solitária - e dormir uma semana inteira. Maternidade é uma coisa boa como não consigo explicar, mas ninguém se engane sobre ser fácil.
E é por isso que eu amo quando me encontro com as minhas amigas que também têm filhos. Aí elas contam sobre os meninos que acordam de noite, sobre os pratos de comida que demoram a eternidade para findar, sobre o banho que nunca começa e depois nunca acaba, sobre o cabelo que aguarda uma ida ao salão há um mês. Minhas amigas que estão na turma de mães faixa branca têm coragem de assumir que ficaram bravas, que os filhos demoram pra fazer o dever de casa e que as toalhas não voltam automaticamente para o banheiro. Elas são solidárias, quando falo sobre aquele livro há meses aguardando ser lido, e sobre o fato de o banho ter virado um momento de lazer.
Quando encontro mães faixa branca, o que acontece é uma sensação de acolhimento, de pertencer e de normalidade que fazem um bem danado ao coração da gente. O que ocorre é que você percebe finalmente: sou uma mãe normal, com crianças normais, numa casa normal, com uma família de verdade. Existimos. Temos uma rotina e alguns atritos, mas amor suficiente para deixar todos os perrengues de lado e seguirmos felizes.
A crônica ficou pronta uma semana depois. E não pense que foi escrita em dois ou três minutos. Entre uma e outra frase, pedi para que o volume da televisão fosse abaixado, preparei leite, precavi contra acidentes diversos e ameacei mandar as crianças mais cedo para a cama. Agora pergunte se eu queria outra vida...
Sobre ser mãe, eu citaria Djavan e Caetano para encerrar o raciocínio: "se tivesse mais alma pra dar, eu daria. Isso pra mim é viver".
Beijinhos
Fê Coelho.