Sentaram-se, os dois amigos, como tantas vezes fizeram antes, sob a mesma árvore, sobre o mesmo morro, olhando a mesma paisagem. Miraram o pôr do sol, como tantas vezes fizeram, e falaram. Disseram as bobagens de sempre, comentaram os costumes das pessoas e falaram de literatura.
- Olha lá embaixo. - ele disse - Quem é aquela senhora?
- Ora. - ela riu - é a Dona Soraia.
- Não, Fabi. Assim não tem graça. - Lucas reclamou - Vai de novo.
- Tudo bem, então. Aquela é uma mulher extremamente perigosa. Ela se passa por camponesa, mas é traficante. Todos os dias, esconde bocados de cocaína nas vísceras de inocentes carneirinhos que são assassinados de madrugada. Melhor assim?
- Muito melhor. - Lucas riu, sossegado, e se deitou na grama. - E seu filho é um super-herói. - continuou - Ele discretamente observa o comportamento transviado de sua mãe e carrega consigo a dor de estar dividido entre o amor e o dever. O rapaz se tortura diariamente fugindo para lugares horríveis, na esperança de se punir por seu silêncio.
- Deve ser por isso que ele leva uma cara tão ruim à missa.
E Fabiana riu. Um riso solto, alegre como de costume, musical, embalado pela felicidade simples e descomplicada. Gargalharam juntos, como sempre fora.
Lucas sentou-se e fez a pergunta que mudaria tudo aquilo.
- Quem é a pessoa mais perigosa do mundo? - Ele ainda ria.
Fabiana ficou, então, muito quieta. Olhou para o horizonte crivado de morros alaranjados de poente e sentiu o vento frio que trazia consigo o mês de junho. Ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha e recordou: as brincadeiras, as verdades ditas e não ditas, os encontros sob aquela árvore sobre aquele morro, as risadas, o choro, os conselhos, o que tinham em comum, o que os afastava, Lucas, seus olhos, seu sorriso.
- Você. - Ela respondeu.
-E por quê? - Seu sorriso já não era tão largo.
- Porque, nesse momento preciso, você é a única pessoa por quem eu corro um risco enorme de me apaixonar.
E o mundo se fez novo, porque de uma maneira ou outra, por algum motivo, nada seria mais como sempre fora.
Trilha sonora para o conto:
Beijinhos
Fê Coelho.
3 comentários:
Oi Fê!
Um conto é definido como "uma narrativa curta de impacto máximo"; é como você escrevesse apenas o clímax de uma história; e fazer isto bem, em poucas linhas, é um desafio que anima muitos escritores.
Parabéns pelos seus escritos, você vence este desafio com qualidade profissional!
E se o comentário pareceu "profissional demais", basta dizer que gostei de seu trabalho!
[]s
Oi Alexandre!
Obrigada pelo comentário profissional. Ele conta muito, principalmente porque acompanho seu blog e admiro seus escritos. Fiquei feliz demais com a visita.
Abraços.
Fê Coelho.
Lindo Fê!
Adorei seu conto! Saudade de vir aqui, fazia tanto tempo... É uma pena que nosso tempo é tão curto, e tantos blogs bons para visitar.
Estou colocando em ordem as visitas, na medida do possível.
Sucesso menina!
Um grande bjo!
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