Encontrei-me com Elisângela em frente à nova butique num dia frio de julho. Era uma quarta feira e eu me arrastava de volta do trabalho para casa. Estava cansada até a raiz dos cabelos, mas conseguia manter o mínimo de dignidade sobre meus saltos 15.

Lá vinha ela, loura e alta, com um casaco sete oitavos creme lindíssimo, uma calça reta e scarpins que me fariam penhorar meu anel de diamantes mais raro – caso eu tivesse um. E eu aqui, morta de cansaço, segurando uma sacola de marca com uma marmita dentro – claro, tomando o cuidado de cobrir tudo isso com um lenço de seda lindíssimo.


Ela se aproximava tranquilamente, com o andar despreocupado e fluido das mulheres que não precisam de nada além de belos brincos e cabelos hidratados na cabeça. Como eu detestava vê-la assim, serena. Queria que ela fosse obrigada a pegar metrô e a andar à pé. Queria que ela enfiasse o salto nas frestas das calçadas, e que se descabelasse entre um compromisso e outro. Desejava ardentemente que ela ficasse semanas sem fazer a unha e que tivesse que aprender a se virar sozinha. Queria que ela tivesse que comer marmi...


- Elis, querida. Tudo bem?

- Oi Ana. (Dois beijinhos, aqui). Tudo certo e você? Como vão as crianças?
- Estão ótimos. Me divirto muito com eles.
- Ana, querida. Mas que blusa maravilhosa você está usando! Ficou tão bem em você.
- Ah, sim. (Cara de esnobe, aqui). Comprei essa blusa numa viagem recente a trabalho. Era uma lojinha pequena e super charmosa na Champs Élysées. Custou uma fortuna, mas de vez em quando é bom a gente se dar um presente, não?
- Claro que sim. (Um sorriso irônico aqui. Será que ela desconfia de mim? Vaca!). Depois me passe o nome da loja. Será um prazer visitá-la na minha próxima ida a Paris.
- Sem problemas. Aposto que a Claire vai te atender como a uma rainha.

Mais dois beijinhos e ela se foi, andando fluidamente como se o mundo estivesse parado ao seu redor.


E eu fiquei aqui, na mesma calçada pensando se ria ou não. Ela nunca saberia a real origem da blusa. Nem sob tortura eu contaria que a encontrei num monte de roupas em promoção numa loja de departamentos em Quiriquiqui da Serra, quando fui visitar meus parentes. Jamais confessaria que dei uma cotovelada numa velhinha de setenta e dois anos, que queria levar a malfadada blusa para uma neta de vinte e cinco anos, cega e que fazia aniversário naquele dia. Elisangela poderia enfiar agulhas sob as minhas unhas, mas eu nunca admitiria o fato de ter passados quase um dia inteiro rebordando a estampa da blusa, para que ela parecesse mais refinada. E você se engana redondamente se acha que vou contar como isso tudo aconteceu depois que a vigarista da Elisangela me roubou o meu marido.



Soltei uma gargalhada e pensei: Deus conserve essa vaca longe de Quiriquiqui da Serra. Ainda bem que o Mario nunca gostou da minha família.