Ontem minhas filhas me perguntaram por que estava todo mundo nas ruas, brigando. Para responder à questão, falei brevemente sobre os impostos que pagamos e sobre o destino inapropriado que muitas vezes esse dinheiro recebe. Discorri um pouco sobre o que é corrupção e sobre a importância de se votar com consciência. Para elas, isso foi o bastante; para mim não.
Passei o dia todo refletindo, incomodada com pensamentos recorrentes acerca de como a gestão do país historicamente favorece uma minoria em detrimento da massa. E cheguei a uma pergunta: como vou explicar isso para as minhas filhas? Como vou dizer que vivo num país em que o dinheiro de quem ganha um salário mínimo vai parar na cueca de gente sem escrúpulos? Como vou explicar por que tanta gente morre nas filas dos hospitais, por falta de recursos, profissionais, remédios e - não vamos tampar o sol com a peneira - boa vontade? Como é que se explica o fato de termos pessoas vivendo abaixo da linha da miséria, enquanto obras são superfaturadas e BIlhões são desviados vá saber para onde?
Mas a pergunta que me incomodou mais foi "como deixamos isso acontecer?". Quero dizer, sempre soubemos que nossos impostos eram altos demais e que o retorno era muito pouco. Sempre soubemos que havia gente impune ditando as regras; assim como sabíamos que nossas escolas estavam em situação abaixo esperado. Sempre soubemos que os professores eram desvalorizados, que o cidadão está cada vez mais preso e a bandidagem está mais solta que o arroz da minha mãe. Por que permitimos?
Recordo-me das aulas de geografia na escola, quando tive um dos melhores professores por quem passei. Era uma figura ímpar, parecidíssimo com o Patropi, chamado Zé Pereira. Esse professor fez por mim algo que nunca vou poder agradecer propriamente: ele me ajudou a pensar um pouco melhor. Foi em suas aulas que ouvi falar de mais valia e pilantragem generalizada. E foram essas aulas que me fizeram olhar com novos olhos as fotografias das manifestações políticas por que o nosso Brasil passou. Confesso: depois do Zé Pereira, passei a sentir uma pontinha de inveja daquelas pessoas nas fotos em preto e branco.
Cheguei à conclusão de que aquelas pessoas tinham mais coragem do que eu; que tiveram voz e que por sua luta algumas coisas acabaram por mudar. E lembro-me de pensar que eu vivia em uma geração que não tinha assim, tanta graça.
E é por isso que estou orgulhosa de ver o povo indo às ruas: porque sempre imaginei que minha geração seria marcada por cuecas endinheiradas, contas no exterior e falcatruas no Congresso Nacional. Pensei que não teríamos nenhum capítulo nos livros de história, mas (delícia das delícias!) me enganei.
Espero que quando os levantes arrefecerem, não nos esqueçamos dos motivos pelos quais eles começaram. Torço para que o recado das ruas fique gravado no coração dos brasileiros, para que alguma mudança efetiva se processe. Espero sinceramente ver coisas práticas acontecendo, a honestidade virando moda e a consciência sendo despertada.
Estou orgulhosa do meu povo. Sim senhor! Fique aqui o recado: minha geração pode até ser aquela que desce até o chão; mas também sabe ir às ruas.
Levanta-te e anda, Brasil!
Fê Coelho
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