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Melissa parou sob o velho ipê amarelo. Olhou para o alto, para sua copa majestosa e colorida, viva e contrastante com a paisagem cinzenta e retorcida do cerrado há meses sem chuva, e se emocionou. Não por algum motivo óbvio; não por um sentimento declarado ou pela falta dele. Seus olhos marejaram por algo muitíssimo mais singelo que isso: ela vira uma casa de joão de barro e nenhuma imagem poderia tê-la feito sentir algo semelhante.
Enquanto seus olhos se voltavam para o céu, tentando captar a grandiosidade de seu lugar favorito no mundo inteiro, o sol ofuscou seus olhos. Ela os desviou e, quando recobrou o sentido, lá estava a minúscula construção de barro - tão singela, tão sutil, tão simples em sua combinação ton sur ton com as cores do cerrado, que dificilmente Melissa a teria visto. Acontece que os olhos só veem o que estão preparados para captar. E aquele, indubitavelmente, era o seu momento.
Voltara à pequena cidade como uma vencedora: envergara um tailleur, saltos altos e um sotaque carregado de importância. Retornara vitoriosa: deixara para trás os dias de míngua, o pão com manteiga e os velhos amigos. Agora tudo em sua vida era glamour e, acredite, ela tivera uma boa dose disso. Acontece que algo como um comichão estava sempre presente e ela sabia o que era. Tratava-se do prurido ininterrupto de tudo o que não fora e que ela jamais saberia como poderia ser.
O inacabado era um espinho que não se podia retirar. Era uma espécie de certeza dúbia. Certamente teria sido maravilhoso, mas seria o suficiente? Melissa precisava viver, experimentar, se provar e se afirmar. Não. Não teria sido o suficiente, ela repetia para si mesma.
Talvez tivesse uma casa simples, pequena e confortável. Talvez conseguisse ter belos finais de tarde, enquanto balançava uma criança em seus joelhos. Ou, quem sabe, encontrasse prazer em esperar que o dia chegasse ao final, para então repousar a cabeça no peito largo e acolhedor de Tiago. Talvez tudo isso fosse realmente incrível, mas ela provavelmente se sentiria sufocada. O mundo era um cardápio demasiado tentador para se ignorar.
E lá estava ela, loura, alta, rica, bem resolvida, poliglota e absolutamente embevecida pela simplicidade de uma casa de joão de barro. Teria jogado para longe de si um futuro feliz? Essa era a parte que ela mais detestava no fato de fazer escolhas. O que ficava para trás era sempre muito incômodo, sempre atrativo. Ou será que o momento atual é que não conseguia ser bom o suficiente para fazê-la se aquietar? Ah, como ela odiava sentir-se encurralada por escolhas que sequer poderiam ser feitas novamente.
Percebendo a frustração tomar conta de si e manifestar-se como um gosto amargo na boca, Melissa baixou os olhos. Passou a mão pelos cabelos e já ensaiava mais uma das mentiras compassivas que costumava inventar para si mesma, quando uma mão tocou seu ombro. Quem sabe tenha sido o susto, ou algo mais - não há como afirmar - mas tudo em si ficou alerta de uma forma que há muito não ocorria.
- É a mesma casa daquele tempo. - Uma voz grave, baixa e macia falou e Melissa derramou duas lágrimas.
- Como você sabe? - Ouviu-se perguntar.
- A árvore ainda tem a nossa marca.
Melissa contornou o ipê. Sua respiração era superficial e ela sentia-se uma marionete cujos movimentos não são mais que um mover de cordas. Estava lá - o coração mal entalhado, as letras juvenis e cheias de uma esperança tão pura que provocava dor à mera lembrança. Estava lá, logo abaixo da casa de joão de barro, o lugar onde juraram ser um do outro até o fim dos tempos.
Virou-se e, sem quê nem porquê, beijou-o. Não como as crianças que foram, mas com toda a certeza que as escolhas lhe deram e tiraram ao mesmo tempo. E as lacunas foram sendo preenchidas. E Melissa descobriu o que a faria feliz, o que complementaria tudo aquilo que ela lutou para se tornar.
- Acredita que é possivel? - Melissa perguntou, fitando os olhos negros de Tiago.
- Ouvi dizer que os ipês não mentem.
Beijinhos
Fê Coelho
Plágio é crime e deve ser encarado como tal. A divulgação dos escritos é uma honra, mas os créditos são compulsórios.
Um espaço para dividir minhas crônicas, outros textos e percepções malucas.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Os ipês não mentem
Melissa parou sob o velho ipê amarelo. Olhou para o alto, para sua copa majestosa e colorida, viva e contrastante com a paisagem cinzenta e retorcida do cerrado há meses sem chuva, e se emocionou. Não por algum motivo óbvio; não por um sentimento declarado ou pela falta dele. Seus olhos marejaram por algo muitíssimo mais singelo que isso: ela vira uma casa de joão de barro e nenhuma imagem poderia tê-la feito sentir algo semelhante.
Enquanto seus olhos se voltavam para o céu, tentando captar a grandiosidade de seu lugar favorito no mundo inteiro, o sol ofuscou seus olhos. Ela os desviou e, quando recobrou o sentido, lá estava a minúscula construção de barro - tão singela, tão sutil, tão simples em sua combinação ton sur ton com as cores do cerrado, que dificilmente Melissa a teria visto. Acontece que os olhos só veem o que estão preparados para captar. E aquele, indubitavelmente, era o seu momento.
Voltara à pequena cidade como uma vencedora: envergara um tailleur, saltos altos e um sotaque carregado de importância. Retornara vitoriosa: deixara para trás os dias de míngua, o pão com manteiga e os velhos amigos. Agora tudo em sua vida era glamour e, acredite, ela tivera uma boa dose disso. Acontece que algo como um comichão estava sempre presente e ela sabia o que era. Tratava-se do prurido ininterrupto de tudo o que não fora e que ela jamais saberia como poderia ser.
O inacabado era um espinho que não se podia retirar. Era uma espécie de certeza dúbia. Certamente teria sido maravilhoso, mas seria o suficiente? Melissa precisava viver, experimentar, se provar e se afirmar. Não. Não teria sido o suficiente, ela repetia para si mesma.
Talvez tivesse uma casa simples, pequena e confortável. Talvez conseguisse ter belos finais de tarde, enquanto balançava uma criança em seus joelhos. Ou, quem sabe, encontrasse prazer em esperar que o dia chegasse ao final, para então repousar a cabeça no peito largo e acolhedor de Tiago. Talvez tudo isso fosse realmente incrível, mas ela provavelmente se sentiria sufocada. O mundo era um cardápio demasiado tentador para se ignorar.
E lá estava ela, loura, alta, rica, bem resolvida, poliglota e absolutamente embevecida pela simplicidade de uma casa de joão de barro. Teria jogado para longe de si um futuro feliz? Essa era a parte que ela mais detestava no fato de fazer escolhas. O que ficava para trás era sempre muito incômodo, sempre atrativo. Ou será que o momento atual é que não conseguia ser bom o suficiente para fazê-la se aquietar? Ah, como ela odiava sentir-se encurralada por escolhas que sequer poderiam ser feitas novamente.
Percebendo a frustração tomar conta de si e manifestar-se como um gosto amargo na boca, Melissa baixou os olhos. Passou a mão pelos cabelos e já ensaiava mais uma das mentiras compassivas que costumava inventar para si mesma, quando uma mão tocou seu ombro. Quem sabe tenha sido o susto, ou algo mais - não há como afirmar - mas tudo em si ficou alerta de uma forma que há muito não ocorria.
- É a mesma casa daquele tempo. - Uma voz grave, baixa e macia falou e Melissa derramou duas lágrimas.
- Como você sabe? - Ouviu-se perguntar.
- A árvore ainda tem a nossa marca.
Melissa contornou o ipê. Sua respiração era superficial e ela sentia-se uma marionete cujos movimentos não são mais que um mover de cordas. Estava lá - o coração mal entalhado, as letras juvenis e cheias de uma esperança tão pura que provocava dor à mera lembrança. Estava lá, logo abaixo da casa de joão de barro, o lugar onde juraram ser um do outro até o fim dos tempos.
Virou-se e, sem quê nem porquê, beijou-o. Não como as crianças que foram, mas com toda a certeza que as escolhas lhe deram e tiraram ao mesmo tempo. E as lacunas foram sendo preenchidas. E Melissa descobriu o que a faria feliz, o que complementaria tudo aquilo que ela lutou para se tornar.
- Acredita que é possivel? - Melissa perguntou, fitando os olhos negros de Tiago.
- Ouvi dizer que os ipês não mentem.
Beijinhos
Fê Coelho
Quem sou eu
A autora por ela mesma
- Fernanda Coelho
- Uma pessoa muito bem humorada, otimista incorrigível, tentando se encontrar nesse mundo maluco.
Boas vindas.
Seja bem vindo você que vem curioso, que vem interessado ou mesmo desacreditado.
Seja bem vindo você que me lê e descobre-me aos parágrafos.
Aproveita as palavras que encontrar por aqui e fica à vontade: a casa é sua. Só não põe o pé na mesa.
Sejam todos bem vindos.
Beijinhos
Fê
Seja bem vindo você que me lê e descobre-me aos parágrafos.
Aproveita as palavras que encontrar por aqui e fica à vontade: a casa é sua. Só não põe o pé na mesa.
Sejam todos bem vindos.
Beijinhos
Fê
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1 comentários:
bonito.
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