quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O tempo que não nos pertence

Ando preocupada com o tempo. Ando sentindo que ele me foge rápido demais, vertiginoso demais. Ando sentindo que o persigo e que ele me olha de longe, sempre à minha frente, sempre virando alguma esquina.

Ando com medo do tempo. Temo as mudanças que não posso prever, controlar ou conter. Estremeço diante da falibilidade dos planos, da mutabilidade das feições e da efemeridade dos momentos. Inquietam-me os espelhos, intragavelmente teimosos, que nunca se mantém refletindo a mesma imagem. As mudanças estão lá: inegáveis e irrevogáveis. Assustam-me as roupas que diminuem de tamanho, os sapatos que não podem mais conter os pezinhos que outrora eram tão minúsculos e meus próprios ombros que, numa piscadela, ficaram muito próximos da altura de minhas filhas.

Ando sentindo o tempo com uma agudeza que às vezes não me agrada, como se estivesse o tempo todo em uma despedida do minuto anterior. Ando vendo o tempo, o tempo todo a me sinalizar que está passando, o tempo todo a me lembrar de coisas no pretérito perfeito.

Mas que bobagem a minha. O tempo não nos foge. Não nos escapa por entre os dedos, porque na verdade nunca esteve em nossas mãos. O tempo simplesmente existe e não sei se ele passa ou se passamos por ele.

O tempo não é nosso. Ele não pode ser perseguido, retido ou manipulado. Não dura além dos momentos de felicidade - ou infelicidade -  quimérica. Ele passa inexorável, imutável e indiferente. Não espera e não se apressa.

E a nós, resta-nos lembrar que, na verdade, não se perde nada com a passagem do tempo. Porque o futuro nunca nos pertenceu. Ele é apenas a projeção daquilo que esperamos ou tememos. O tempo não nos tira nada. Ao contrário, seu passar é um presente.

Porque não se perde uma juventude, um bebezinho, ou dias passados. Ganha-se maturidade, um filho com sete anos, adolescente ou adulto e dias passados. O importante é lembrar: o que de fato nos pertence são os momentos fortes o bastante para ficarem impressos na memória.

E o tempo sempre estará por aí, para nos acrescentar dias, memórias, rugas, filhos, netos e neuroses ao longo do período que usamos para gastar o O2 disponível no planeta.

Que nossos batimentos cardíacos possam valer a pena.

Beijinhos

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Depois que me tornei mãe


Depois que me tornei mãe muitas coisas mudaram  em mim. Coisas que eu não imaginava e que não pensava serem possíveis.

Me tornei mais tolerante, mais consciente de mim mesma, dos meus sentimentos e pensamentos. Passei a admirar mais a singeleza de cada momento e a singularidade de cada pessoa.

Depois que me tornei mãe, não durmo como antes, não me alimento como antes, nem me desligo da realidade como antes. Tenho horror aos noticiários e às tragédias distribuídas em escala além da industrial, transimitidas ao vivo e amplificadas. Deixei de assistir às novelas e passei a me inundar de programação infantil. E, por incrível que pareça, descobri que não me importo com isso. Aprendi que posso ser a bailarina mais desengonçada da história, que posso ser uma princesa, uma cabeleireira, uma cliente e uma professora na mesma noite. Compreendi que poucas vezes antes fiz coisas tão simples com o prazer eufórico de uma primeira vez constante.

Porque os filhos mudam alguma coisa fundamental em nós. Porque sempre será a primeira vez deles em algo. Porque eles nos transformam em pontos cruciais e alteram toda nossa psique.  Os filhos nos ensinam que existe algo mais importante que nós mesmos e que o agora importa muito, principalmente na medida que ele constrói um futuro que será compartilhado.

Depois que me tornei mãe - valha-me Deus - virei adepta dos clichês. Aceitei que os filhos são tudo em nossa vida, que uma pessoa nunca amou ninguém até ter um filho, que não há mal que dure para sempre, que não existe mãe sem peso na consciência, que tudo o que fazemos é pensando no melhor para os filhos. E o pior de tudo: compreendi que minha mãe não me ameaçava quando me dizia que certas coisas eu só entenderia quando tivesse filhos. Sim, pessoas, eu sou um lugar comum ambulante.

Não que isso seja ruim. No fim das contas, acho que esses clichês são cheios de uma verdade tão grande que irrita mesmo. Porque na maioria esmagadora dos casos, não há como discordar deles.

E descobri que se me fosse dada a chance de escolher outra vida, outro caminho e outras circunstancias, eu provavelmente declinaria a oferta. Eu certamente ia querer o que tenho, da maneira que tenho: com as vantagens, com o cansaço, as lágrimas, os sorrisos, abraços, risadas, sonhos, brincadeiras, broncas, choro, febres, aprendizados e realizações.

Porque são exatamente essas coisas que me permitem dizer, sem medo de errar ou de parecer hipócrita, que sou uma pessoa extremamente feliz.

Beijinhos

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Epifania da Jabuticaba

Jabuticaba tem gosto de infância. Foi essa a frase que me veio à mente ontem, no caminho de volta para Brasília, após sentir o sabor da primeira bolinha negra da estação.

Provavelmente, quem me conhece ou acompanha meus textos, já conseguiu perceber que eu tenho dessas coisas. De repente acontece alguma coisa e pronto! Eu simplesmente preciso escrever sobre aquilo. Vira uma agonia que não passa até eu por o pensamento em forma de palavras.

Voltemos à jabuticaba e à epifania. Quem assistiu ao filme Ratatouille, lembra-se de quando Anton Ego experimenta o prato de sua infância e volta imediatamente à sua antiga e simples casa, onde vivera dias aparentemente felizes. Pois foi exatamente isso que me aconteceu.

Bastou uma mordida e fui direto para lugares onde estive há alguns anos - sem especificidades, por favor. Lembrei-me, com uma precisão incrível, das fazendas que costumava visitar quando criança. Era como se sentisse a temperatura amena, o cheiro e o sabor das jabuticabas. Daquelas jabuticabas degustadas com paladar de criança, buscadas no pé com mãos pequenas e ágeis - ávidas por pegar as maiores e sabidamente mais doces bolotas. Recordei a preocupação infantil com a roupa que não poderia ficar manchada, mas que no final das contas já não contava mais.

E as lembranças foram se desdobrando: um banho de bica, uma manhã brincando num trator desligado, um passeio a cavalo, tardes na rede, chuva, cheiro de mato e de gado, noites de estrela, fogueira, acampamentos, a vida se modificando, crescer, direitos e responsabilidades adquiridos, o despertador, gestações, as crianças.

Ah, as crianças. Olhei para o banco de trás. La estavam elas, com seus sorrisos luminosos e seus olhinhos vivos. Comendo jabuticaba e estalando os lábios. Construindo memórias que as acompanharão pela vida toda.

Ocorreu-me que, de fato, a vida nos dá presentes a todo momento. Basta que estejamos atentos o suficiente para perceber. Como foi gostoso perceber que uma coisa tão simples como uma jabuticaba pode ser um ponto de intersecção entre as minhas memórias e as de minhas filhas. Como é gratificante perceber que, mesmo tendo nascido em séculos diferentes, sempre teremos algo em comum. E como é gostoso saber que a simplicidade da vida e a infalibilidade do tempo se encarregam de nos mostrar essas afinidades.

Porque um dia todo mundo percebe: Jabuticaba tem gosto de infância.


Beijinhos

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Coisas que todo inferno que se preze deve ter

Essa semana, eu tive um pensamento diferente. Todo inferno que se preze deve ter uma serra elétrica.

De onde tirei essa ideia maluca? Eu explico.

Estava eu tentando dormir no meio da tarde, antes de ir para o trabalho, quando percebi que não conseguiria. Ao lado do meu prédio, começou uma obra enorme. Vinte andares! É de chorar, eu sei. Tem o barulho das máquinas, os martelos, os peões... E eu precisando desesperadamente de um pouco de silêncio.

E foram o desespero e consequente ódio assassino despertado em mim que me levaram a elaborar a seguinte lista.

Coisas que todo inferno que se preze deve ter:

1- Uma serra elétrica, do tipo Makita, pra funcionar sem direito a trégua.
O barulho daquela coisa entra nos ouvidos da gente e se recusa a sair até a próxima encarnação. Não tem como se livrar. E o zunido gera um bocado de ira - o que só faz piorar o mal estar.

2- Um - ou vários - xilofones de criança.
É desesperador. E quanto mais feliz a criança fica, mais forte ela bate a baqueta. Belezura!

3- Roncos. Muitos roncos.
Com direito a apneia do sono, que é pra gente achar que o outro condenado está sufocando (de novo).

4- Sapatos apertados
E calos e bolhas, muitas bolhas

5- Filas.
Muitas, quilométricas, sem direito a atendimento preferencial e com um chato compulsório ao lado, pra reclamar e te deixar maluco.

6- Muriçocas
Ou pernilongos, tanto faz. Na verdade, vou generalizar: insetos. Todo inferno que se preze deve estar cheio de insetos.

7- Homem que chama mulher de gostosa na rua.
Instrumento fundamental de tortura. Não há tormento eterno decente que dispense esse tipo de figura. Claro que eles também podem mandar algumas cantadas furadas e fazer aquele barulhinho irritante com a boca (aquele de puxar o ar).

8- Horário eleitoral obrigatório e eterno.
Com várias promessas de suspensão das torturas, que é pro torturado se frustrar diariamente.

9- Um canal em cada dente da boca, todos os dias.
Eu nunca fiz, mas dizem que é digno de entrar no hall dos tormentos.

10- Um call center, sem direito a bater o telefone na cara do atendente
"Senhora... Aguarde um minuto que vou estar verificando se o seu horário de tortura acabou...    .....      .....  ¬¬    ....  ¬¬' Obrigado por ter aguardado. Estou verificando aqui no meu cadastro, senhora, que a senhora ainda tem mais um crédito de vinte e três horas e dezessete minutos de tortura. A senhora gostaria de estar iniciando a sua tortura diária agora?"

Não, gente, é sério. Deletem essa última. Até para o inferno isso tá demais.

E vocês? Que item acrescentariam à minha lista?

Beijinhos

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Textos de mulherzinha?

Ontem à noite, enquanto eu mostrava meu último texto para o meu digníssimo, ele exortou-me a prestar atenção ao que escrevo. Segundo ele, meus textos são demasiado femininos e o público masculino não tem paciência para isso.

E o que é que eu posso fazer em relação a isso? - eu me pergunto. Escrevo sobre meninices, lacinhos, família e cotidiano, pelo simples fato de serem essas coisas que povoam o meu cérebro. E acrescento: seria uma perfeita tapada se começasse a escrever sobre carros, futebol, video-games, política exterior, bolsa de valores, butecos e outras coisas pautadas por níveis altíssimos de testosterona. Não entendo nadica de nada dessas coisas e pedir que eu discorresse sobre elas seria o mesmo que pedir a um rinoceronte que usasse meias finas e dançasse balé com sapatilha de ponta.

Descupem, mas eu não consigo.

De mais a mais, será mesmo tão ruim pensar sobre as coisas sob uma perspectiva mais suave?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A chuva chegou


E eis que a chuva chegou. E trouxe consigo o melhor aroma de terra molhada disponível em todo o mundo, porque era o meu cheiro de terra molhada. Esse era só meu, exclusivo, esperado e ansiado como liquidação de sapatos.

O primeiro olor de terra molhada é diferente, porque tem cheiro de saudade - dos dias de chuva no telhado, de trovoada, de bolinho frito com café e de filme com cobertor (se bem que, com esse calor, não é fácil pensar em nada que sirva para se agasalhar). A primeira chuva abaixa a poeira, sobe o calor, nos recorda que é possível respirar sem sentir nenhuma ardência no nariz e põe as pessoas na rua em polvorosa - ao menos as que ainda não compraram os seus guarda-chuvas de cinco reais.

Basta as primeiras gotinhas começarem a cair, para tudo começar a ficar verde: uma cor de encher os olhos e a alma, de fazer suspirar, sorrir e lembrar que não há seca que resista ao mês de outubro (que um anjo diga amém - agora!). Basta chover para todo mundo comentar, rir das pataquadas alheias, reclamar do engarrafamento e andar com sacolas na cabeça.

Uma chuva e os cabelos entram em colapso, fazendo voltinhas e mais voltinhas nas cabeças despreparadas. E aí a mulherada abre o bico a reclamar. Algumas soluções são possíveis:
1- Assumir os cachos, aproveitando que eles estão na moda mesmo;
2- Andar com o guarda-chuva por onde for e rezar para que ele não vire do avesso;
3- Manter um kit de sobrevivência com escova, secador, pracha, presilhas, tiaras e outros itens sempre à mão;
4- Caprichar na escova definitiva.

Eu escolhi a última opção, principalmente pela praticidade do cuidado.
Saindo do salão, um dia após a primeira chuva, com o cabelo lisérrimo, olhei para o céu cheio de nuvens cinzentas e suspirei, experimentando todo o prazer que os dias chuvosos me proporcionam.

"Segura essa, São Pedro. Pode mandar chuva à vontade. Eu aguento!"

Beijinhos
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