sábado, 23 de novembro de 2013

Mingau de leite - uma crônica sobre a memória do amor.



De todas as coisas simples, uma das mais singelas que conheço é a lembrança do amor que recebemos. Ela pode estar contida em qualquer objeto; pode se esconder em qualquer paisagem e se revelar com qualquer sabor, cheiro ou toque. A verdade é que a lembrança do amor está em tudo o que pudermos experimentar, mesmo que seja uma colherada de mingau.

O leitor não me julgue doida. Ou julgue, como queira. Fato é que hoje, numa colherada de mingau de leite encontrei a lembrança de amor que precisava para acalentar uma noite de sábado, apreciada entre um e outro plantão de doze horas, longe de todas as pessoas que eu queria ter por perto. Mingau poderoso? Não, leitor. Poderosas são as lembranças de uma infância e uma vida repletas de amor.

Mingau de leite me lembra dias e dias na companhia de minha mãe - linda, tão linda quanto meus olhos infantis podiam enxergar - cansada, depois de horas de trabalho e ainda assim, amorosa o suficiente para se esforçar um pouco mais e ir para o fogão fazer mingau para os filhotes. E me lembra de dias de chuva, quando eu e meus irmãos pouco tínhamos para fazer, exceto jogar baralho com nossos pais e brigar por coisas vãs. Sabores simples, de uma vida simples e saborosa.

A memória do amor que recebemos é alimento para o amor que entregamos. É lembrete que o coração deve ler todos os dias, antes de pensar em fechar as portas. É o próprio amor, assumindo o lugar de professor e nos ensinando a amar. A memória do amor é remédio contra o amargor; é amortecedor para a dureza da vida. É aquilo que confere valor genuíno a uma lembrança que, sem esse sentimento, seria apenas legalzinha.

O amor que recebi é tão bonito, tão leve e tão simples, que consigo encontrá-lo até numa colher de mingau fumegante. Só posso concluir que o amor não seja algo assim tão complicado, afinal.

Beijinhos
Fê Coelho.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Sobre o que nos guia



A estrada costuma se apresentar a mim como um bom lugar para pensar. Talvez por estar sempre sozinha, talvez porque a vastidão do horizonte me faça refletir. Ontem, entre uma curva e outra, atenta à sinalização horizontal, praticamente perseguindo uma faixa branca contínua, um pensamento se apresentou: no final das contas, todos temos uma linha que nos guia vida afora.

Muitas vezes, esse guia é um objetivo, um plano bem traçado, ou uma ideia insistente. Noutros casos, o que nos serve de referência é a religiosidade. E há quem se paute apenas por princípios. Fato é que algo se presta a nos orientar o caminho, as curvas e as escolhas.

Entendo que amiúde queiramos nos referir à vida como algo caótico, sem sentido, solto no espaço e no tempo. Algumas pessoas podem, inclusive acreditar que vivem, de fato, à deriva. Todavia, essa escolha de não se guiar por nada já é traçar um referencial sobre o qual serão vividas as horas e meses.

Estrada sem orientação é ambiente propício para acidentes. Nau sem farol é propícia à deriva. E pessoa que não reconhece aquilo que a impulsiona não sabe muito bem para onde ir.

Não que precisemos olhar a faixa branca o tempo todo.  A estrada só pode ser aproveitada por olhos que consigam captar tudo quanto ela oferece. A vida é mais bonita quando nos prestamos a vivê-la em sua plenitude. Mas vez ou outra, numa curva perigosa, num momento de decisão, é bom nos atentarmos para aquilo que nos guia. Manter os olhos fixos no que nos orienta é uma boa forma de seguir o caminho para onde deixamos nossos sonhos.

E que venham as curvas, os morros e as longas faixas brancas. Pois a vida é presente. E presente a gente aproveita!

Beijinhos
Fê Coelho

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Tão Simples



Desconfio que a felicidade seja uma senhora esperta e sábia, que não se permite rotular. Imagino que seja figura feminina, melindrosa, leve e sutil; simples, mas tão simples, que podemos passar por ela muitas vezes e pensar que não, aquela definitivamente não pode ser a Felicidade. Acredito que caminhe com pés descalços por aí, apenas aproveitando o caminho. Ela não se prende ao relógio, nem ao calendário. Creio que ela simplesmente esteja, sem a necessidade de algo além disso.

Muitas vezes já argumentei que prestamos um péssimo favor a nós mesmos quando transformamos a felicidade Na Felicidade, assim, com letra maiúscula e fogos de artifício. Tornamo-nos reféns de cenas idealizadas, com trilha sonora e luz bem posicionada. Com isso, abrimos mão de perceber a doçura que se esconde nos pequenos contentamentos, nos instantes - esses pequenos pedaços de que é feita a nossa vida. Passamos a nos importar tanto com o fato de conseguirmos um quadro perfeito, que infinitas vezes perdemos a capacidade de apreciar a beleza das tintas na tela. 

E nesse afã de encontrar a tal Felicidade - pura, límpida e com selo de qualidade - deixamos passar por nós as oportunidades de sermos realmente felizes. Sabe, leitor, o mar não trabalha em câmera lenta e nem sempre parece o Caribe. Mas ainda está lá. A areia ainda está sob os pés das pessoas; o barulho das ondas e a maresia persistem. A vida não é videoclipe, mas isso não a torna menos bela - apenas faz dela algo real e possível. Da mesma forma os relacionamentos são apenas relacionamentos. São o encontro de duas pessoas que podem ou não se entenderem bem. Por mais bonita que seja a história, idealizá-la seria tirar-lhe a autenticidade, aquilo que faz dela algo único e, por isso mesmo, tão bonito.

Tentar transformar a vida numa comédia romântica ou num comercial de margarina é injusto. Esperar que a felicidade venha polida, cintilante e musical é tão tolo quanto esse hábito de exagerar nos editores de imagens em fotos de mulheres lindas. É reconhecer que o que se tem, embora lindo, nunca será o suficiente. 

Talvez o grande barato seja aproveitar a beleza do céu num dia de nuvens que se desmancham como chumaços de algodão; ou o cheiro do café coando, ou a gargalhada de alguém que a gente ama. Quem sabe a felicidade se aninhe no calor de um abraço apertado; quem sabe se esparrame pelo verde dos morros que a gente vê durante uma viagem. Pode ser que a Dona Felicidade tenha esse hábito das doses homeopáticas. Ou quem sabe ela não faça nada e apenas nos observe enquanto somos felizes.

Desconfio que a felicidade seja uma mulher esperta; simples, tão simples e silenciosa que nem sempre percebemos sua presença. Mas basta olhar atentamente, que ela está lá. De alguma forma, ela sempre está.

Beijinhos
Fê Coelho.


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