O clima de
manifestações generalizadas está afetando as roupas no meu armário. Não,
leitor, você não leu errado. E não, eu não estou me enchendo de roupas verdes e
amarelas. Acontece que precisei adquirir algumas roupas brancas novas e a
confusão foi feia. Se eu estou pirando de vez? E quem prometeu a você uma
autora normal?
Tudo começou
quando, após passar as novas roupas de trabalho, fui guardá-las. Abri a porta
do guarda-roupa, pendurei as camisas brancas, fechei a porta e saí do quarto.
Comecei, então, a ouvir um burburinho crescente, como se um circo de pulgas
houvesse resolvido promover uma festa rave
no diminuto móvel destinado a acomodar minhas vestimentas. Apurando um pouco
melhor a audição, para saber o que acontecia, dei com o seguinte diálogo:
- Chega pra lá! –
reclamava uma voz esganiçada.
- Chega você, que
eu estou recém-passada! – retrucava outra, mais baixa
- Mas você está
me apertando. – era a primeira voz
- Os incomodados
que se retirem. – a segunda voz disse, resoluta.
- Branquela
aguada, sem graça!
- Sua indiscreta!
- Sou como a
primavera, baby. Seu recalque bate
nas minhas flores e volta.
Nesse ponto,
começou um ruído de coisas se batendo. Várias vozinhas agudas e balançantes
gritavam em uníssono “pega ela!”, ao passo que outras mais ponderadas cantavam
algo a respeito de não-violência, tolerância, paz, amor e – quase posso jurar –
Hakuna Matata. Aproximei-me cautelosamente e abri a porta do guarda-roupa.
- Ok – eu disse,
incrédula a respeito do que via – posso saber que furdunço é esse aqui?
Chegaram até mim
os olhares mais culpados que se pode imaginar em objetos inanimados. Fez-se um
silêncio daqueles que a gente pode partir com uma faca de pão.
- Vamos. Estou
esperando. – Eu insisti.
- Foi ela! –
disseram em uníssono, uma camisa branca e uma florida.
Decidi conversar
com a camisa florida primeiro. Ela é mais antiga de casa; tem prioridade.
- Diga, flor, o
que está havendo aqui?
- Agora você me
trata assim, com jeitinho, né?! Primeiro arruma esse monte de branquelas, enfia
aqui em casa, tira todo o meu espaço e depois finge que não aconteceu nada. Eu
sabia que, cedo ou tarde, você ia acabar fazendo isso.
Como a camisa
florida continuava furibunda, resolvi tentar a sorte com a novata. Tudo o que
consegui foi um rolar de olhos e um assovio.
- Alguém? –
Nenhuma resposta – Ninguém?
- Por que você não
separa as roupas por cores? – arriscou a camisa florida.
Aí foi demais pra
mim. Sentei-me na beira da cama e comecei um sermão.
- Olha, gente, eu
sei que estamos passando por um período complicado aqui. São mudanças demais,
em tempo de menos. Compreendo que vocês estejam assustados, pensando que seria
melhor ficarmos como estávamos, bem acomodados em nossa zona de conforto. Acontece
que é assim mesmo que as coisas funcionam. Mudanças causam incômodo, mas são
elas que impulsionam a vida. Vocês precisam aceitar que estamos num outro
momento e trabalhar para lidar melhor com as diferenças. Aceitem os coleguinhas
que chegaram e sejam gentis. Tenho certeza de que belíssimas combinações poderão
surgir entre vocês. Quanto à ideia de separar por cores, eu sei que os
especialistas recomendam; mas isso seria apartheid.
E não vou tolerar saber que dentro do meu próprio armário acontece segregação, bullying e essas coisas. Comportem-se!
E para provar que
tenho a firme resolução de manter a paz naquele espaço confinado, deixei todas
as peças de castigo, se abraçando até que decida usá-las. Difícil, vai ser
encontrar os cabides que fizeram greve e se mudaram para a Conxinxina do Sul.
Quem foi mesmo
que te prometeu uma autora normal?
Beijinhos
Fê Coelho.