O coração do outro,
disse-me uma amiga, é terra que ninguém pisa. E eu concordo. O que
mais poderia fazer? Essa é, dentre as ideias com as quais me deparei
recentemente, uma das mais inquestionáveis.
O coração alheio é terra que nenhum olho humano vê e nenhum outro sentido alcança. É território que ninguém conquista como propriedade. É local insondável, selvagem em sua singeleza exuberante. Dele não se pode apossar. Não se pode, ali, colocar bandeira e dizer: tudo isso é meu. Porque não se conhece o que vai no coração do outro.
O coração do outro guarda surpresas que vão muito além do confesso. Esconde segredos e motivos que escapam à nossa compreensão e frustra – talvez por capricho, talvez por não saber outra maneira de ser – todas as nossas grandes suposições. E quem pode culpá-lo? Não temos olhos para ver o que vai no coração do outro.
Não conseguimos compreender as nuances, nem ler as entrelinhas dessa terra de ninguém. Tudo o que sabemos sobre o coração alheio é o que ouvimos e observamos. Sobre isso, duas ponderações devem ser feitas: o homem mente e amiúde tem a mira ruim para inferências. Ora, é comum julgar triste uma pessoa que está apenas pensativa. Assim como é frequente não enxergar a tristeza que vem travestida de felicidade. E não é por mal. A questão é que não é dado a nenhum de nós penetrar esse recinto, que muitas vezes nem o próprio dono conhece a fundo.
Desconheço o que esse fato representa para outras pessoas, mas compreendo que, para mim, acessar essa ideia foi algo libertador. Principalmente porque muitas vezes me angustio acerca do que os outros sentem, do que os move e explica suas ações. Enfrento os olhares, tentando compreender. Ouço as ideias, como se me pendurasse nelas, presa por um fiapo de significado que se comunica com o que, de fato, se quis dizer. Procuro colocar-me no lugar do outro e fazer inferências. Tudo em vão. Porque afinal de contas todo esse esforço passa pelo filtro de minhas próprias vivências. E isso, em si, já é o suficiente para escancarar a subjetividade de meu parco conhecimento.
Acredito que talvez o ponto principal de toda essa reflexão seja um caminho pacífico e sem volta à aceitação. Pode ser que essa ideia tenha chegado a mim para serenar algumas angústias e para dizer que não importa o que eu pense ou quanto me esforce, alguns conhecimentos simplesmente não estão acessíveis. Quem sabe seja uma questão de apenas aceitar e reagir, sem ter a pretensão de entender. Porque volto a dizer - e preciso me lembrar disso diariamente – disse-me uma amiga muito querida, o coração do outro é terra que ninguém pisa.
Beijinhos
Fê Coelho
3 comentários:
Um dos melhores textos que já li no seu blog.
Se a gente mal sabe do nosso...
Que texto bem escrito, amiga! Você de boba não tem nada...
É verdade; quanto aos outros corações, só temos suposições, nada mais, tudo fica no campo da leviandade. A verdade é que não podemos achar, supor: ou entendemos com certeza ou é bom esquecer, não analisar muito. Penso que é a única coisa sem cópia neste bendito e louco mundo.
Grande beijo.
Tais
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