domingo, 23 de janeiro de 2011

O Garimpeiro das Palavras

Boa noite, queridos.

O texto abaixo é um conto escrito por mim e publicado pelo meu amigo, Haziel, na revista virtual Extremezine. É uma história de um personagem que me incomodou uma noite e mais um dia - de modo que eu soube que era o velhinho certo (Uma risada aqui). Espero que o enredo possa transformar para melhor o dia de alguém.

Beijinhos


O Garimpeiro das Palavras



Quem passa pelo senhor de cabelos brancos, olhos brilhantes e sorriso afável não sabe ao certo o que ele busca. Não se pode imaginar que aquele homem, curvado pelo tempo como o junco pela tempestade, sempre atento e observador, é um garimpeiro. É bem verdade que esse senhor garimpa tesouros diferentes: seu interesse é pelas palavras.
Não há um lugarejo, vila, aldeia, cidade ou caminho que ele não tenha percorrido. Sua busca é incessante, porque algumas palavras estiveram escondidas. E é atrás dessas expressões que ele vai: o senhor procura pelas palavras que foram perdidas, pelas que deixaram de ser usadas.

Nem todas as palavras fazem falta – os verdadeiros tesouros são aquelas que podem mudar as pessoas. O andarilho procura pelas palavras doces, amigas e por aquelas que podem trazer algo de bom.

Naquela ocasião ele procurava uma palavra específica: gentileza. Caminhou muitos dias, procurando em todos os lugares, sem encontrar uma vez o seu pequeno tesouro.

“Gentileza é algo fora de moda”, disse uma mulher muito altiva e cheia de rolos de tecido nos braços. “Pode ser”, respondeu o senhor – que não tinha o hábito de se abater – “mas se me permite, eu gostaria de te ajudar a carregar seus tecidos”. E o senhor acompanhou a mulher até seu destino, despedindo-se com um sorriso.

“Não conheço essa palavra”, disse uma criança “e me desculpe por não ajudar o senhor, mas é que preciso mesmo consertar o varal para minha mãe.” O andarilho ajudou a criança e se despediu contente por ter sido útil.

“Não tenho tempo para procurar palavras agora”, disse um senhor com feições severas, “preciso ferrar esse cavalo e descarregar uma carroça de feno”. O garimpeiro das palavras descarregou a carroça e se foi, sempre em sua busca pela gentileza.

Durante muitos meses, o andarilho caminhou, esquadrinhando os caminhos, procurando pela palavra perdida. Então resolveu voltar. Fez exatamente o caminho que tinha percorrido anteriormente e qual não foi sua surpresa ao encontrar gentileza espalhada por todos os lugares. Aquilo que era artigo raro, agora era fartura. Algo havia mudado e ele precisava compreender.

O senhor adentrou uma vila e procurou por todas as pessoas com quem tinha falado, sem no entanto reconhecer nenhuma delas. Foi, contudo, a criança, a única a reconhecer o andarilho.

“Encontrou o que procurava?”, perguntou a criança com olhos curiosos. “Até mais do que imaginava”, respondeu o garimpeiro. “Todo o lugar está cheio de gentileza. Sabe me dizer o que aconteceu?”.

E a criança explicou.

“Quando o senhor me ajudou a consertar o varal da minha mãe, eu fiquei muito agradecido. Foi muito bom receber a sua ajuda. Então eu corri atrás para agradecer e foi quando eu percebi que o senhor deixava cair sempre a mesma palavra no chão, por todo o seu caminho. Apanhei uma delas e levei para os meus pais. Então eles me explicaram que palavra era aquela: gentileza. E me disseram que é uma virtude, uma coisa muito boa, que faz as pessoas se sentirem melhores. Me explicaram que gentileza não custa nada e que um ato gentil é capaz de salvar uma vida da tristeza, do abandono e até mesmo da morte. Eu acredito neles. E o senhor?”

O andarilho enxugou uma lágrima e sorriu afetuosamente para a criança. Afagou-lhe os cachos e se levantou.

- Eu não poderia duvidar de uma verdade tão intensa. Obrigado, minha criança, por ensinar a esse velho homem o valor de seus próprios passos. Você foi de uma gentileza incrível. E agradeça aos seus pais por mim.

O garimpeiro nunca mais foi visto por aquelas bandas, mas vez ou outra alguém encontra gentileza em seu caminho e se pergunta: “de onde terá vindo?”.

                                                                          Fernanda Coelho


11 comentários:

Anônimo disse...

Fernanda!
Que coisa mais linda! Que texto forte, menina! Recheado de reflexões e ensinamentos. Adorei. Li e reli. Parabéns. Já o carreguei comigo, e com os devidos créditos, óbvio, fará parte de meus guardados.
Bjssssssssss

Fernanda Coelho disse...

Obrigada pelo carinho, Marli.
Fico muito feliz que a história tenha feito da diferença no seu dia.

Um beijo grande

xxxxx disse...

Fê vc é uma fofa. Muito bom passar por aqui.

Um beijo
Mih

ONG ALERTA disse...

Escreveste uma linda mensagem para todos, beijo Lisette.

Fernanda Coelho disse...

Muito obrigada pela visita, Mih e Lisette. Fico muito feliz com a passagem de vocês por aqui.

Beijos e uma boa semana.

André disse...

O time do chefe Hazi é realmente uma elite =D

Belo conto Fê! sempre nos fazendo lembrar do que realmente é importante na vida, com leituras mais que prazerosas.

bjO!

[finalmente minha net me autorizou a comentar no seu blog, antes nem essa janela carregava... hahaha agora aproveitar]

andrebdois disse...

Que bom que vc gostouu :D
Deu um trabalhão achar um poema que casasse com o que eu tinha em mente, hehe. se tivesse um dom de escrever como vc, eu estaria feito :D
abração e parabens por mais este post maravilhoso.

Sueli Gallacci disse...

Fê, que conto mais encantador!!!
Vc aborda os temas com muita graça, beleza e sabedoria!

A gentileza está mesmo em desuso, e no lugar dela figura o individualismo, o egoísmo dos tempos modernos. Eu tenho saudades do meu tempo criança quando as pessoas sentiam prazer em serem gentis umas com as outras. Lembro da minha mãe preocupada com a roupa estendida no varal da vizinha ausente quando “armava” um temporal. Ela ia lá e recolhia a roupa. Eram atos simples, mas que faziam toda a diferença.

Como diz a cação, velhos tempos, belos dias...

Um bjo enorme.

Fernanda Coelho disse...

Obrigada, André, Andrebdois e Su, pelo carinho.

É isso que mantém a vontade de escrever.

Abraços.

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Boa tarde.

Estou lhe seguindo. (Maria) Amapola.

Voltarei depois, para ler com mais calma.

Um grande abraço.

Fernanda Coelho disse...

Obrigada pela visita, Amapola. Seja muito bem vinda.

Beijo

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