Alguns conceitos gostam de se revelar assim, do nada, numa manhã de quinta-feira qualquer. São ideias fugidias que vêm meio sem palavras, que se anunciam tão rápido quanto se retiram e podem fazer valer o dia. Estou falando de breves momentos de clarividência, daquele instante mágico no qual se compreende algo importante. Algo com o poder de mudar conceitos, fazer pensar ou - no mínimo - fazer sorrir.
Foi assim hoje. Sem que nada de especial (em tese) acontecesse, consegui formular um conceito do que para mim é a felicidade. Veja bem, estamos tratando de uma manhã sem qualquer atrativo especial: a primeira do inverno, um dia paradoxalmente quente, com céu limpo, sem vento ou novidades. Eu estava na cozinha da casa de meus pais, um lugar conhecido desde sempre, por cuja janela se filtra uma luminosidade dourada capaz de desenhar pequenos quadradinhos de luz no chão molhado, cheirando a produto de limpeza e tranquilidade. Minha filha correu para longe de mim, após devolver-me o copo vazio e ainda morno pelo leite. Ouvi música e entendi: a felicidade é uma janela que fica sempre aberta, mas sobre a qual nem sempre nos debruçamos.
Esse pode parecer um conceito estranho, mas para mim calhou perfeitamente. Visualizei-a como se estivesse exatamente à minha frente: uma janela aberta, por onde passa luz dourada e oblíqua, em cujos raios se pode ver suspensos os grãos de poeira num eterno balé. Mais adiante um campo, verde, florido e vivo. É como se ela sempre estivesse lá, mas passássemos apressados demais para prestar-lhe atenção. Até que um dia, numa manhã comum de uma quinta-feira qualquer, por algum motivo, eu tenha resolvido demorar-me à sua frente; como se houvesse resolvido me aproximar e olhar o que está contido em minha própria felicidade.
E me vi cheia de motivos para estar feliz. Pensei em minha família unida, bela e em paz; recordei os amigos, meu trabalho, ouvi a risada de minhas filhas e sorri. Estiquei meus braços, enchi os pulmões de ar, movimentei as pernas, peguei um brinquedo jogado no chão e agradeci. Senti-me profundamente grata pelo que sou e tenho, pela família em que fui inserida, pelas raízes que compartilhamos, pelos princípios que guiam minha existência e por cada uma de minhas memórias.
Penso que deve ser algo realmente triste, quando a pessoa se fecha muito demoradamente na escuridão do pessimismo, das reclamações e se foca sempre naquilo que falta. Isso faz com que não se consiga suportar a luminosidade de dias delicadamente felizes. Acredito que fizeram à felicidade uma grande injustiça, elevando-a a um patamar inatingível de bens ou sensações psicodélicas, quando - a bem da verdade - ela está o tempo todo esperando ser apenas reconhecida.
E é esse o ponto em que quero chegar, finalmente. A felicidade é simples por essência. Delicada e mansa, ela não necessita de tantos adereços quanto se prega por aí. Não é preciso que se faça da vida uma Drag Queen de anseios e sensações. Porque para ser muito sincera, acredito que a felicidade seja mesmo uma janela sempre aberta. Tudo o que precisamos fazer é escolher nos debruçarmos sobre ela.
Beijinhos
Fê Coelho
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