Hoje um pensamento tirou-me o fôlego, quando estava na fila do refeitório, às doze horas de uma quinta feira qualquer. Fitei o céu separado de mim pela vidraça, pelo uniforme, pelo relógio de ponto e me perguntei: por que diabos uma pessoa escreve?
Sei que essa é uma pergunta terrivelmente redundante. Mas ela foi tomando forma, peso e importância; foi espiralando em minha mente o suficiente para não me permitir almoçar. E peguei-me a pensar: "Deus do céu! Sou uma dessas pessoas! Sou uma dessas pessoas que se aventuram a digitar pedaços de alma, que se permitem mostrar, letra a letra, a pessoas que sequer conhecem. Faço parte do time das mentes que entregam a única coisa que não pode ser acessada a menos que se revele: o pensamento".
Ah, o pensamento! Esse reduto de tudo o que há de mais seguro, de mais íntimo. O pensamento, lugar recluso, onde se pode ser o que se quer, onde se pode colocar tudo o que foi e não foi; onde ficam as aspirações, opiniões, sonhos, mágoas e as verdades que não se quer (ou não se pode) dizer. As ideias! O que há de mais subversivo, de mais revolto e impalpável. Porque os lábios podem dizer o que quiserem. Podem confessar o que for conveniente e calar o essencial, jogando para dentro - lá para as ideias - o real significado. E isso, por si só, é um ato de silenciosa rebeldia. Quer dizer que podemos nos enquadrar e ainda assim voar por dentro. Significa que podemos ter as dimensões mais adequadas aos olhos alheios e conter inúmeros mundos longe do que os olhos podem ver.
E foi o que me atrapalhou a respiração e a quietude: por que uma pessoa entrega isso aos outros? Por que se submete ao olhar juiz de pessoas que não conhecem sua essência ou sua história? E pensei novamente: "Deus do céu, eu escrevo! Eu faço isso!" E senti-me tão pequena e desprotegida. Senti-me nua em meus sonhos, transparente em minha maneira de ver a vida, entregue em tantas verdades quantas meus dedos puderam digitar.
Tive medo. Fiquei ansiosa. Pensei. Perdi a fome. Por fim, me conformei.
Acontece que a escrita existe quando o sentir transborda, quando não há mais maneira de segurar as ideias na vastidão do mundo interior. Escrever é quando as palavras se sacodem tanto dentro da gente, que prendê-las seria violentar a alma. Acontece que quem escreve o faz por não sentir escolha, por não ver outro modo de se livrar da angústia que é não o fazer.
Vou te contar um segredo: às vezes as palavras se tornam atrevidas borboletas em nosso estômago e não há o que fazer, a não ser permitir que elas voem.
Beijinhos
Fê Coelho