Rafaela, querida.
Preciso dizer que estou me despedindo de você – por pouco ou muito tempo, não sei ao certo. As coisas estão um bocado confusas e, sinceramente, não tenho mais a disposição de espírito necessária para bem escrevê-la.
Você precisava de uma autora que fosse puramente feliz, tivesse uma vida que achava ser a ideal. Confesso que, no momento, depois de todas as coisas que me aconteceram, não posso ser o que você precisa. Não tenho mais a nobreza de sentimento, a doçura e a inocência suficientes para falar de você – pelo menos não da maneira que você se apresentou no início de nossa convivência.
Lembro-me daquela tarde, em que você começou a me importunar. Foi engraçado, coisa de esquizofrênico. Você me veio, com seus cabelos cor de chocolate, sua livraria e seu relacionamento perfeito com um pianista – relacionamento esse que, por sinal, não vingou. Falou-me de seus defeitos, descreveu-me seu comportamento e mostrou-me uma vida com a qual eu não poderia sonhar. Ah, Rafa, minha personagem querida, você me falou de um mundo ao qual eu não poderia pertencer, mostrou-me a vida que não era, mas que eu acreditava ser possível. E você me perseguiu com essa sua insistência, que só eu e você conhecemos. Torturou-me com seus dilemas éticos e problemas, deliciou-me com suas histórias; instigou-me com cenários que, embora inexistentes, mostravam-se perfeitamente factíveis. Muitas coisas, posso dizer num momento de extrapolação absoluta, vivemos juntas. Eu estava ali e, sinceramente, não sei quem dependia de quem.
Mas os dias não deixaram de passar e, daqui deste lado da tela, a vida mudou. Hoje não sou a autora que, tão ingenuamente, se deixou levar por seus encantos e por sua vida pintada em tons aquarelados. É pena que você não possa compreender – visto que eu sempre soube dos seus problemas e, ainda assim, não os explicitei – o poder que dias adversos podem ter. Se por um lado é uma pena que você não saiba o que se passou do lado de cá, é pesar ainda maior o fato de eu não ter tido a capacidade de compreender o seu mundo. Porque, a essa altura do campeonato, você bem poderia estar livre de mim, povoando outras mentes que lhe dariam outras feições e outros trejeitos, enquanto folheassem as páginas de um livro doce e bonito. Acredito que, quem sabe – apenas quem sabe – a vida possa ser bastante divertida assim.
De qualquer forma, Rafaela querida, é melhor deixar o lamento de lado. Sempre haverá uma página em branco na tela, onde pisca um cursor matusquela. Haverá sempre uma chance de que você encontre a autora ideal para os seus dramas. E, se fizer questão de que essa autora seja eu, é melhor se preparar para me aceitar como estou e estarei daqui para frente: em transformação. Estarei mais ácida, talvez mais irônica. Acha que poderá lidar com isso?
Se a saudade apertar pra valer, me procure. Estarei sempre aqui, em busca de uma boa história para escrever – história essa que poderá ser a sua.
Um abraço saudoso da sua autora, ouvinte, confidente e criadora.
Fernanda Coelho.