sábado, 28 de dezembro de 2013

Da Finitude



Há muito, leitor, tenho contigo uma dívida de sinceridade. Várias vezes expus tantas verdades quantas meus dedos puderam digitar. Algumas delas, todavia, permaneceram inconfessas. Tenho essa característica, que para um escritor pode se tornar um defeito: tenho ciúmes de certos pensamentos. Alguns deles são tão meus, tão profundamente meus, que sinto pesar em dividi-los. Ocorre que algumas vezes o copo transborda e não há maneira de sossegar as ideias, a menos que alguns pensamentos sejam compartilhados. Pois bem, falemos sobre o fim.

Nunca fui pessoa de escrever sobre relacionamentos. O maior motivo para isso é que não se consegue nunca um distanciamento ideal - nem de assunto, nem de fatos, nem de tempo ou de encarnação. Ainda assim, creio que já possa dizer uma ou duas coisas com propriedade. Talvez isso alimente em mim a sensação de estar me tornando uma escritora mais honesta. Falemos, leitor querido, da finitude.

Então acabou. Tudo o que deveria silenciar é dito e, ironicamente, aquilo que não se quer ouvir são as únicas palavras disponíveis. As verdades e mentiras piedosas se penduram no silêncio, como um móbile a entreter um interlocutor meio pasmo. Os clichês vão chegando em fila indiana e nada mais faz sentido, porque é oficialmente o fim.

Você pode escolher vários caminhos: tomar seis (ou seriam sete?) latas de cerveja em sequência, ligar para todas as amigas (disponíveis ou não) e chorar até virar do avesso. Como queira. O fim é seu e você faz dele o que bem entender, certo? Até certo ponto, sim.

Acontece que a vida bate à nossa porta. Ela sempre bate. Os dias continuam sua interminável sequência de amanhecer e anoitecer. O cotidiano exige. E lá se vai você, não importa em quantos pedaços seu coração tenha se partido. A vida acontece apesar de nós, de tudo o que sentimos, desejamos ou lamentamos. A vida simplesmente é.

Pode-se resistir, deitar-se e chorar por colo e mingau de aveia? Ora, sim. Mas não recomendo. Reter a tristeza traz amargor. Tanto quanto fingir que ela não existe.

Depois do fim, iniciamos um processo de nos encolhermos para ser novamente apenas um, ou de nos expandirmos para valer por dois. E embora saiba que todos os dois processos são doloridos, posso dizer que tenho preferência pelo segundo, pois sinto que crescer e enfrentar seja algo mais bonito que se encolher até que os problemas deixem de perceber sua existência.

Então você reavalia, repensa, refaz. Você inventa uma maneira de preencher vazios e de substituir coisas que eram tão suas. Porque, de repente, não há mais aquelas tardes de domingo, nem o estar deitado no sofá da sala por não se ter outra ideia melhor. De uma hora para outra, os planos se desfazem e faz-se mister reinventar uma rotina que tinha se adaptado para agregar.

Então o fim chega e você sabe que, de alguma forma, algo seu se foi com outra pessoa. E percebe que se importa com o tratamento que será dispensado a esse pedaço seu. Depois do fim, pode ser que sobre um desejo contido de que aquele pedaço seu que se foi ainda seja capaz de produzir algum encanto. Por outro lado, o fim, quando apresentado repetidas vezes, pode nos ensinar que tudo o que o outro leva de você é um alívio enorme. Cruel, talvez. Mas que atire a primeira caixinha de lenços quem nunca se sentiu assim.

Fico imaginando do que, afinal, sentimos falta quando o fim acontece.

Como num filme realmente bom, daqueles que nos fazem lamentar os créditos, o término nos tira de um estado de contentamento. Momentos bons são recolhidos e a sensação (tenhamos cinco ou cento e cinco anos) é de que foi tudo prematuro. A vida se estica e encolhe; você sofre, chora, sorri e se refaz. Então percebe que a saudade maior é a que você sente de você mesmo; da versão de você que tinha o contato com o outro. A saudade é da felicidade que chegava junto com os olhos nos olhos, com o beijo na mão, com o abraço apertado e com o beijo que só ocorreu porque você não encontrou motivo para recusá-lo. A saudade é da sensação de benquerência; da ilusão de ser o primeiro pensamento de alguém. O pesar é pelo que não volta.

Mas a vida é essa. A finitude permeia tudo quanto nosso coração alcança, nos lembrando da característica quimérica dos nossos dias. A finitude é certa. Tudo mais é lucro e sorte. Tudo mais são apenas tentativas.

Quem disse que seriam apenas flores? Bem que uma grande amiga uma vez me disse: "o coração do outro é terra que ninguém pisa".

Beijinhos
Fê Coelho


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Véspera - uma crônica sobre novos sonhos



A meio passo de realizar um sonho cultivado por anos, com empenho e olhos brilhantes, me pergunto: e agora, José? Sei que parece estranho; que a realização dos sonhos deveria ser uma espécie de guia nessa sequência de abrir e fechar de olhos que é a vida. Sei de todas essas coisas. Todavia, hoje, às vésperas de ver o fruto do meu trabalho, me questiono. E agora?

Véspera sempre foi uma palavra que me intrigou, desde criança: a véspera de natal, véspera de provas, véspera do aniversário. Ora, pareceu-me durante muito tempo que a véspera era mais importante que a data esperada em si. E não seria? Afinal de contas, até percorrermos os segundos pelos quais esperamos, tudo o que temos são possibilidades. Ah, leitor, o universo das possibilidades é encantador e amedrontador em medidas iguais. Tudo pode ser: bom ou ruim; realidade ou apenas monstros embaixo da cama. A véspera é aquilo que ainda não é palpável. É uma espécie de fronteira entre o que era sonho e o que se torna realização.

Disseram-me, uma vez, que eu estaria riscando um  item da minha lista, ao realizar um sonho. Acontece que não foi isso o que ocorreu. A possibilidade de conseguir algo há muito tempo esperado se tornou o index para inúmeras outras aspirações. É como se sentir um degrau sob meus pés houvesse me dado a certeza de que ali há uma escada - uma que eu sempre quis conhecer.

E é por isso que eu vou, leitor, mesmo sentindo uma pontinha de medo; mesmo correndo o risco de me decepcionar. Se tem uma coisa que andei aprendendo é que decepção é um risco que assumimos para viver bonito. Não há garantias. Nunca houve. Não há meios para saber até onde vai o caminho de cada um de nós. Porque a vida é assim mesmo, melindrosa, afeita às surpresas.

Traduzindo e citando livremente uma música de que gosto bastante, afirmo que que "não posso dizer onde a jornada vai terminar, mas sei onde ela começa". E ela começa aqui. Nesse ponto que não sei muito bem qual é, mas que sinaliza o início de muito trabalho e de uma busca por uma carreira que - acredito eu - vá se mostrar a mim, um degrau após o outro.

Esta não é apenas a véspera da realização de um sonho, mas do surgimento de tantos outros. E se isso trouxer o risco inerente da decepção, tudo bem. Porque mais importante que o sonho realizado e pronto, entregue prêt à porter, é a construção de cada um deles.

Muito mais bonitos que um sonho que se realiza, são os que nascem a partir daí.

E vamos em frente!
Beijinhos
Fê Coelho


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