De todas as lentes que já usei para ver o mundo, a mais bacana é - de longe - aquela que as crianças usam. Não apenas pela vivacidade das cores e pelo encanto da descoberta, mas principalmente porque o mundo visto por olhos infantis é muito mais leve. E foi essa, uma das coisas que me fizeram querer escrever para elas.
Quando escolhemos para quem serão destinados os mundos e personagens que criamos, não estamos selecionando público; estamos, antes, nos pondo a serviço de algumas pessoas e nos dispondo a entregar-lhes algo com que se entreter e se encantar. Um escritor tem a obrigação de oferecer o seu melhor aos leitores e isso passa por enxergar o mundo sob o ponto de vista do outro.
Pensar como as crianças é difícil para nós, adultos, especialmente porque passamos a vida sendo treinados para abandonar esse costume. O mundo - preparado para ser sério, eficaz e efetivo - nos tira pouco a pouco a capacidade de sermos descomplicados. Mergulhamos devagarzinho, quase sem sentir, no mundo das nuances, dos meios tons e das meias verdades. E vamos nos distanciando de velhos hábitos como gostar por inteiro, aceitar ajuda e reconhecer nossos medos, entre tantos outros.
Acontece que para escrever para crianças, é necessário fazer essa viagem magnífica para onde tudo é possível: bichos podem falar, canetas esferográficas fazem greve e o céu chora. Empreender essa cruzada é encontrar-se com o que abandonamos ou esquecemos; é revisitar antigos conceitos e repensar os novos. Quando mudamos a lente com que enxergamos a realidade, ela se transforma. Somos apresentados a infinitas possibilidades que podem, inclusive, ser mais atraentes.
Crianças podem ver os fatos por seu melhor lado. A elas é permitido fazer tentativas sem necessariamente se cobrar um desempenho previamente estipulado. Para os pequenos, tudo é descoberta e novidade; a diversão pode estar escondida em coisas grandes como viagens para a praia e pequenas como papel picado. O universo miúdo é a terra das possibilidades, das palavras simples e da clareza de ideias. Deve ser por isso que minha filha me pede para fazer oração de criança
Visto de baixo pra cima, o mundo pode ser meio assustador, com seus casacões pesados, passos largos apressados e bigodes torcidos; pode ser esquisito com assuntos cheios de números indecifráveis, responsabilidades e conveniências. De minha parte, penso que na maioria das vezes esse ponto de vista é adorável. Porque olhando para cima é que enxergamos o céu.
Beijinhos,
Fê Coelho.