terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Penúltimo



- Isso é cara para se comparecer ao fim do mundo? - pensou Marilu, enquanto se olhava no minúsculo espelho do quebra sol, acima do volante de seu carro financiado até o fim dos tempos.

Ela já estava cansada de aguardar os finais - da faculdade, da semana, dos domingos na casa da sogra, do jogo de futebol narrado pelo Galvão e embalado pelos gritos de Chupa! da vizinhança inteira. Já estava cansada de ansiar pelo término do financiamento do carro, e das prestações que fizera para os armários novos da cozinha. A verdade é que Marilu estava exausta!

Olhou-se novamente no espelho, observou que suas olheiras já estavam quase sendo promovidas a "queixeiras", sacou um corretivo da bolsa e tentou ajeitar o estrago. Começou pelo olho esquerdo. Quando ia corrigir o lado direito, lembrou-se do cachorro da vizinha que havia latido a noite inteira e que era tudo culpa dele, se ela precisava usar seu corretivo novinho da M.A.C. numa quinta-feira pela manhã.

Quinta-feira, dia vinte... Ela estava esquecendo de alguma coisa... vinte de dezembro... Ah, droga! Estava atrasada para a consulta com a nutricionista. Havia perdido dois quilos na primeira semana e engordado três nas semanas seguintes. Deixou o corretivo de lado, engatou a primeira marcha e saiu praguejando até o consultório, certa de que aquela magricela impiedosa da Dra. Alice (recalque, é verdade) chamaria sua atenção para o ganho de peso. O que a nutricionista sabia das coisas, afinal? Ela não tinha dois filhos em idade pré-escolar, que iam a um aniversário cheio de guloseimas por semana. E não tinha um marido muito amado, chamado  Mário Henrique, que fazia a melhor picanha do mundo aos domingos e que a deixava com tanta raiva nos outros dias da semana, que ela explodiria se não comesse um chocolate.

A consulta foi como ela imaginava. Com muito jeito, a Dra Alice pontuou a necessidade de estabelecer um padrão alimentar mais saudável, com a introdução de fibras e alimentos crus, integrais, desnatados, com pouco sódio, naturais e inacessíveis. Explicou que seu índice de massa corpórea estava aumentando e afirmou ter certeza absoluta de que Marilu conseguiria se manter saudável. Afinal de contas, ela tinha dois filhos pequenos e precisava se manter bem para criá-los.

Ah, meleca! Os filhos. Já estava atrasada para a reunião da escola, evento esse que iniciava o período de maior terror na vida de Marilu: as férias escolares. Com quem ela deixaria os dois filhos? Como encaixaria um mês de atividades para os gêmeos? Arrumaria uma colônia de férias, uma babá, um milagre, duas avós, três tias e um atestado médico por insanidade mental. Afinal de contas, não poderia levar os garotos para o Fórum.

Céus! O Fórum! Teria uma audiência complicadíssima naquele dia.

As coisas não estavam indo muito bem, ela pensou. Talvez devesse conseguir uma passagem só de ida para Marte, já que as coisas por aqui acabariam em um dia. Às vésperas do fim do mundo, tudo o que ela queria era o fim daquele fotoperíodo. Estava um trapo. Um farrapo de gente. Morta com farofa. Na lona. Acabada. Só o pó da capa, entre outras formas pra dizer que se precisa de uma ida ao salão urgente.

Dezessete horas e quarenta e cinco minutos. Ela ligara para Mário Henrique, avisara que as crianças eram todas dele. Explicou que havia comida na geladeira, roupas no armário dos gêmeos, água no chuveiro, um microondas ligado na tomada e uma esposa ameaçando entrar em autocombustão se não separasse duas horas de prazo para si. Ou três. Ficaria loira, faria as unhas, a sobrancelha, o buço, leria todas as revistas de fofoca do mundo inteiro e quem sabe quisesse uma massagem. Ou não. Talvez ela nem soubesse dizer seu nome completo àquela altura dos acontecimentos.

Voltou para casa. Os gêmeos assistiam Discovery Kids pendurados no lustre da sala. Exagero, ok, mas pulavam no sofá. Havia um prato de brigadeiro na mesa e um Mário Henrique muito concentrado atrás da coluna de esportes do jornal. Foi para o quarto. Quando olhou-se no espelho, quis chorar. O cabelo ficara ótimo, a sobrancelha também. Mas ela passara o dia todo com apenas um lado do rosto sem olheira. Corrigira somente o lado esquerdo. Sentia-se mono-olheira-à-direita. As lágrimas se formaram. Ia desaguar todo o cansaço ali mesmo.

Foi quando sentiu um par de braços a envolver-lhe a coxa. Um dos gêmeos a olhava de baixo pra cima, com cara de adoração e um sorriso de derreter qualquer pessoa.

- Mamãe linda! - ele de derramou em admiração.

E Marilu jogou fora toda sua contrariedade. Com ou sem olheiras, ela era muito amada. E se o mundo acabasse amanhã, como os malucos apregoavam por aí, ela estaria linda, loira e feliz.

- Quem quer acampar na sala? - ela gritou e se atirou para cima dos filhos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Quando o pano cai: reflexões sobre respeito e ideias afins



Respeite as diferenças, a individualidade, os limites, os horários, os superiores, os subordinados. Respeite as crianças, os adultos, os mais velhos, os idosos. Respeite as crenças, os sentimentos, a opinião, a escolha e a orientação. Saia respeitando tudo o que encontrar pela frente, mas não se esqueça, por favor, o que significa essa palavra.

Sinto que andaram subvertendo o que seja o respeito. Esqueceram em algum recanto isolado os sinônimos como consideração, apreço e atenção, para em seu lugar colocar uma política de panos quentes e línguas afiadas. Substituíram a deferência pela aparência e passaram a abusar da tolerância.

Tolerar é admitir opiniões diferentes e até diametralmente opostas àquilo em que se acredita. É aceitar que nem todos são um espelho da imagem que fazemos de nós mesmos. É compreender que cada pessoa tem um modo de agir, crer e, portanto, um conjunto de características que lhe são próprias - nem melhores, nem piores, apenas próprias.

Respeito não é o mesmo que conviver bem. Não equivale a dizer palavras bonitas para que os outros vejam ou para os momentos em que as circunstâncias são propícias. É algo que vai muito além disso e que passa por princípios, ética, caráter e pela verdade. É muito fácil dizer que se respeita alguém: junte meia dúzia de palavras bonitas, dois elogios convenientes, um tapinha nas costas e pronto!

Acontece que estou falando de algo muito maior que isso, leitor querido. Quando penso no assunto, não posso evitar a constatação de que os atos são apenas a materialização dos valores, dos pensamentos e daquilo que há no íntimo de cada pessoa. Ora, se um ser humano é capaz de menosprezar o trabalho de outro, não será porque se considera superior? Se é capaz de diminuir seu semelhante e tecer comentários ácidos apenas para se divertir, poder-se-ia dizer que seus pensamentos são pautados por doçura e empatia?

Todas essas reflexões me fizeram lembrar de uma frase que ouvi durante a minha adolescência e que me acompanha até hoje: "o que tu fazes fala tão alto, que não posso ouvir o que tu dizes".

E é nesse ponto que cada um mostra aquilo a que veio, leitor. O respeito não é algo que se exerça apenas em público. É um modo de vida, uma forma de sentir e ser; uma prática que não dignifica apenas o objeto do apreço, mas principalmente aquele de quem ele parte.

Se as atitudes falam tão alto assim, a ponto de nos tornar surdos a todo discurso vão, o respeito traz à luz uma palavra um pouco esquecida e meio fora de moda: honra - uma coisa absolutamente pessoal e que se traduz por aquilo que se faz quando ninguém mais está assistindo. Porque todo personagem é apenas gente, quando o pano cai.

Beijinhos
Fê Coelho

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sabe a vida? Algumas reflexões sobre sucesso.



Sabe a vida? Aquela sucessão de dias, acontecimentos, sonhos, o que foi e o que não foi, o que se pensa que deveria ter sido e aquilo que se espera que seja, sabe? Ela pode ser bem bonita, se olhada com o filtro correto.

Tenho visto muitas pessoas se julgarem um fracasso pelos motivos errados. Tenho observado que amiúde, o sucesso no campo profissional tem sido parâmetro para definir o quanto os dias têm valido a pena. Não discordo de quem avalia os fatos por esse prisma; o campo profissional é algo importantíssimo em nossa vida, afinal. O que me deixa intrigada é a definição que se tem dado para sucesso e a exclusividade com que se separa o campo profissional como parâmetro.

Ora, se uma pessoa define como meta ensinar uma turma de quatro anos a escrever o próprio nome em letra de forma e consegue isso, quem dirá que não houve sucesso? Se um homem decide plantar uma horta, colher, vender o produto do seu trabalho e, com isso, manter sua família, será considerado sem sucesso por não exportar alimentos? E mais, uma mulher que consegue conquistar o mundo inteiro e não consegue uma boa comunicação com os filhos, será assim tão poderosa?

Estes são apenas pensamentos que me ocorreram agora há pouco, quando encontrei uma série de cartinhas, desenhos e mimos diversos que minhas filhas têm me entregado ao longo do tempo. Esses são tesouros que fazem com que eu me recorde quem sou e por que tenho feito boa parte das coisas que faço. Estou falando de afeto, leitor querido. Estou falando de um amor tão grande que é capaz de dar sentido à vida. Estou falando de um objetivo claro: o de ser uma boa mãe para essas duas crianças que Deus me confiou e por quem eu seria capaz de me superar todos os dias. Isso para mim é sucesso.

No meu ingênuo entender, o sucesso é algo que se pode encontrar nas menores coisas. Pode-se vê-lo na maneira como se constrói uma amizade, na forma como se relacionam as pessoas, no "bom dia" que se deseja. Tudo depende da intenção, da inclinação do pensamento. Tudo parte daquilo que se traçou por meta.

São as metas, o que guia nosso agir. Talvez aí esteja o cerne de todas as coisas, sobre as quais refleti nesse breve momento - entre ver os traços infantis de minhas filhas e traduzir de maneira superficial a infinidade de sentimentos e impressões que se pode experimentar nessas horas. Entendo que o estabelecimento de metas seja condição sine qua non para se definir sucesso. Até porque o êxito tem como precursores o objetivo, a perseverança, a sabedoria e a esperança.

Estabeleci como meta me orgulhar de minha vida, dos meus dias e do amor que entreguei aos que me são caros. Defini como objetivo poder, lá na velhice, ter anedotas cheias de encanto para contar. Escolhi passar a vida pelo filtro da ternura, para depois guardá-la comigo, como um álbum de retratos que faz sorrir a todos que o olham. Por que, sabe a vida, aquela coisa que temos e que é nossa responsabilidade? Ela pode ser bem bonita, se olhada pelo seu melhor ângulo

Beijinhos
Fê Coelho
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