Todos nós temos algo que nos incomoda mais que outras coisas. Alguma mania, um defeito, um sonho, um conceito. Não importa muito o que, mas fato é que temos conosco - de maneira mais ou menos manifesta, a depender da pessoa - uma série de pequenos (ou grandes) incômodos. Criatura mediana que sou, também tenho os meus. E recentemente andei ficando particularmente incomodada com uma situação: minha incapacidade para encaixar na minha rotina tudo o que penso que deveria estar fazendo.
Ora, catando daqui e dali, podemos colecionar uma série de atributos que uma mulher de trinta anos deve exibir: ser educada, bem-resolvida, culta, fluente em pelo menos duas línguas, bem-paga, organizada, competente, pós-graduada, prendada, disposta, magra, reluzente, saltitante, sorridente, elegante, fashionista, decoradora, mãe, tia, professora, iogue, zen, pontual, engajada, sexy, capaz de resolver problemas e de gerenciar a casa a uma distância de anos e compromissos-luz, mantendo-se calma, serena, feliz, realizada. Eu disse que querem que a gente seja magra? Não sei se essa é uma tendência real ou se estamos apenas sob uma influência maciça dos meios de comunicação, com seus rótulos e uma lista infinita do "tem que, pra ser feliz".
Pois sim, eu caí nessa armadilha. Comecei a cobrar de mim um desempenho impossível, o que gerou alguns dias de frustração até o momento em que entendi: uma mulher pode fazer tudo - absolutamente tudo o que se propuser a fazer; mas não pode fazer tudo ao mesmo tempo. Às vezes é necessário soltar uma das pontas, para que se possa segurar as outras com firmeza. Caso contrário, não conseguimos fazer nada direito. E não há mal nisso. É apenas uma questão de prioridades. O que me fez lembrar de um sermão que ouvi há alguns anos.
Disse o Frei Domingos, pároco da igreja que eu frequentava na adolescência - um padre italiano parecidíssimo com o São Nunca de uma campanha publicitária antiga - que certa vez uma criança ficou com a mão presa num pote de doces. Incapaz de retirá-la do recipiente, começou a chorar. O pai veio, avaliou a situação e depois de muito tentar, entendeu o problema. Não adiantaria forçar a situação. Ou se quebraria o pote, ou se machucaria a criança. Sua sugestão: "Filha, solte os doces." A criança teria chorado, porque não queria soltar as guloseimas, mas ao final acabou cedendo e tirou a mãozinha ilesa de dentro do pote.
Foi sobre isso que me peguei pensando hoje. Quantas vezes enfiamos nossas mãos em potes e tentamos agarrar tudo o que há la dentro? Quantas vezes nos jogamos na vida com essa ânsia de querer tudo para agora, para ontem, para a semana passada? E querer absolutamente tudo! E que angústia é essa que nos faz acreditar que só poderemos ter os doces se eles estiverem bem firmes, em nossas mãos? Acaso o Pai não pode nos dar os doces de outra forma? Ou não podemos pegar um por vez, até que tenhamos esvaziado o pote?
Talvez seja falta de maturidade, querer tudo de uma vez só. Tenho certeza de que pessoas mais vividas, maduras e espertas que eu entenderam que podem priorizar, sem que isso represente uma perda. Escolher o que se quer fazer no momento é uma forma de administrar as várias facetas dessa arte chamada vida.
Não que o processo ocorra sem algum desconforto. Vez ou outra tenho a vontade de pegar todas as preocupações de volta e passar a agir como se tudo dependesse de mim. Soltar algumas coisas gera angústia. E é nesses momentos que preciso me lembrar da história do pai dizendo pra filha "solta os doces". E entendo o recado: não fique tão preocupada, filha. Vai dar tudo certo. Faça uma coisa por vez, sem desistir e quando perceber terá feito tudo.
E eu vou aprendendo. Aos poucos. Um doce por vez. Em alguns momentos de impaciência tentando checar se posso encher a mão e descobrindo que sim, eu posso, mas isso não há de me levar a lugar algum.
E vou entendendo. Posso fazer tudo, mas não tudo ao mesmo tempo.
"Solta os doces, filha. Confia."
"Tudo bem, Pai. Eu confio"
Que todos tenham um dia de paz
Beijinhos
Fê Coelho