Olá, pessoas queridas.
Comemorando o dia do escritor, resolvi abrir mão de qualquer possibilidade de um dia inscrever meu livro em um concurso, entender que não será esse o caminho da querida Carolina - a verdadeira Encantadora de Palavras - e fazer justiça a ela. Talvez seja hora de compreender que posso estar sendo cruel com uma personagem tão dedicada ao espalhar das palavras. Uma garota que passou tanto tempo sendo escrita e que ainda hoje muda como as nuvens no céu não pode ficar mais confinada a bytes inertes numa pasta do meu computador.
Apresento a vocês, Carolina - a Encantadora de Palavras, uma menina quase comum, exceto por alguns detalhes. Esse é um trecho do primeiro capítulo do livro, que diga-se de passagem, ainda está (e desconfio que nunca deixe de estar) em revisão.
Beijo enorme a todos.
Fernanda Coelho
A Encantadora de Palavras
Capítulo 1
O
começo do fim
Dizem por aí que quando uma criança dá o seu primeiro sorriso, em algum
lugar, nasce uma fada. Se isso é verdade, eu não saberia dizer. Para ser muito
sincera, não conheço nenhuma fada, nem sei de onde elas vêm. E, embora eu já tenha
ouvido várias histórias sobre elas e a quantidade de coisas legais que podem
fazer, até hoje nenhuma entrou voando pela minha janela.
O que sei é
que, num lugar bem distante daqui, chamado Vale dos Sons, onde, segundo a
lenda, o vento conversa com os morros, sempre que uma criança lia a sua
primeira palavra, uma ponta de esperança brilhava e iluminava o rosto de uma
menina muito estranha.
Carolina era
mesmo uma garota diferente e todos em sua aldeia sabiam disso. Tinha os cabelos
compridos e escuros como o céu das noites de tempestade, quando não se pode ver
uma só estrela no firmamento. Seus olhos eram de um negro profundo, como um
poço onde se pode jogar uma moeda sem, contudo, nunca ouvi-la chegando à água.
Era magra e tinha os joelhos ossudos. Parecia
pálida, não como as heroínas presas em altas torres à espera de quem as pudesse
salvar, mas tinha a pele clara o suficiente para conferir-lhe certa aparência
frágil. Ela não era alta nem baixa. Seu sorriso, uma fileira de dentes brancos
e pequenos, lembrava um colar de pérolas emoldurado por lábios em formato de
coração. Não falava muito, nem pouco. O que realmente chamava a atenção em
Carolina, era a sua maneira de olhar para o nada, como se conhecesse um segredo
importante, como se enxergasse muito além do que se pode ver ou entendesse algo
além do que se pode compreender. Vez por outra, ela ria baixinho, tendo os
olhos perdidos em algo aparentemente sem importância, sem dizer nada a ninguém
e todos se perguntavam “qual é o problema com ela?”
O que as
pessoas na aldeia não sabiam é que Carolina escondia um segredo importante. Ela
conhecia as palavras.
Talvez você
esteja se perguntando “o que é que tem de mais nisso?” Não quero deixar
você curioso, então vou contar toda a história.
Acontece que no
lugar e no tempo em que
Carolina vivia, dizer que uma pessoa conhecia as palavras era
o mesmo que afirmar que uma fada entrara voando pela sua janela. Afirmar uma
coisa dessas era o suficiente para causar tumulto, fazer as velhinhas perderem
as contas dos bordados, as mães queimarem a sopa dos bebês, os homens errarem o
corte do bigode e baixar sobre o Vale dos Sons um silêncio tão denso que
poderia ser cortado como um pedaço de doce. Era um assunto sobre o qual não se
falava, nem nas conversas mais íntimas nem nos protestos mais acalorados.
Carolina vivia num mundo sem palavras, num lugar onde não havia histórias,
registros, leis ou notícias; onde não existiam anúncios, faixas, provas,
boletins, poemas, bilhetes ou listas de compra. Não existia dever de casa e nem
cartas. Simplesmente não se via palavra, por onde quer que se passasse. Elas
haviam acabado.