terça-feira, 29 de julho de 2014

Eu que não falava de amor.



E eu, que não falava de amor, agora decidi embarcar nesse trem. Eu, que não falava de amor, resolvi que talvez não doa fazê-lo. Ora, o amor - tema pintado, declamado, aclamado, e estudado é apenas um assunto. É mais uma das faces desse diamante que lapidamos durante anos; um que chamamos vida.

Nunca falei de amor, é verdade. Pelo menos não daquele sentido por duas pessoas que decidem se amar e construir uma história juntos. Não expressando minhas impressões a esse respeito. Houve alguns escapes, é verdade; mas se falei de amor, foi em histórias fictícias. Falei de um amor de mentirinha, daquele que a gente cria para a ficção. O amor da vida real é outra coisa.

Sempre me questionei o motivo de minha relutância. E recentemente tenho pensado ainda mais a esse respeito. Ora, tantas pessoas já esgotaram esse tema! Tantos se debruçaram sobre ele e compuseram mais do que poderíamos supor. Tanto já foi dito, que talvez eu ainda não houvesse encontrado minha própria forma de falar de amor. Creio que nunca tenha compreendido bem o processo, afinal.

Amar não é algo que se aprenda como conteúdo de prova. Não é algo em que se possa provar habilidoso; não em termos acadêmicos e racionais. Pode-se refinar os modos, os hábitos e as crenças. E creio que esse refinamento seja o responsável por produzir um amor sobre qual não haja motivo para censura.

O amor não é algo que se aprenda como conceito. Não. Ele é, antes, algo que se viva com consciência e verdade. Amar é entregar trechos de vida, pensamentos e intenções. É ter consigo um sentimento do qual se orgulhar e para o qual voltar. Todos os dias.

E sim, é amor, aquele bem-querer quentinho no peito da gente. É amor aquele buscar com os olhos e aquela vontade de fazer feliz. É amor aquela paz que te acomete e te diz que o coração encontrou pouso. E é amor a coragem de se admitir enamorado, sem o medo do arrependimento. Sem a censura fria de quem não tem assim tanta certeza.

A gente se preocupa demais com definições, quando - na verdade - o amor só demanda honestidade, verdade de sentimento. Ora, amor é quando a gente sente. E sentir já é o bastante para definir.

Beijinhos
Fê Coelho.



sexta-feira, 25 de julho de 2014

Escritora com Nome de Bicho



Era a escritora miudinha. Pequenininha, com um ou dois degraus subidos, mas com uma vontade enorme de conhecer a escada. Era a escritora miudinha, ainda tentando entender o processo. Peixe pequeno se aventurando fora do coral.

Tem sobrenome de bicho, essa escritora. E tem consigo essa simplicidade; esse não saber, que de tanto não saber acaba descobrindo alguma coisa. Não consegue usar as formas mais rebuscadas da língua. Não sabe jogar purpurina pra todo lado. Toda ela é meio assim, sem rodeios. Pensa o que quer dizer, sente a forma como quer que sintam e escreve. Descomplicada essa escritora com nome de bicho.

Já pensou que queria ser cantora, mas cantora não pôde ser. Não conseguia saber a diferença entre tons e ritmos, nem se adequar ao som. Mas ela sempre viu o pôr do sol em forma de texto. Sempre se encantou com tudo o que viu, com as histórias que encontrou e com as formas de contá-las. Gostava de poesia, aquela criança miudinha, e de livros, e de arte. Nunca soube classificar bem as coisas, mas sentia todas elas. Vive um eterno sentir, essa criatura.

E talvez seja por isso que ela escreve: porque sente além da conta; porque pensa e vira frase a cada esquina do caminho; porque transforma tudo em texto. Alguns ela guarda consigo, outros ela encerra no coração. Mas alguns ela manda espiar o mundo, como a pomba do dilúvio, meio que para saber se é seguro. E os textos obedecem. Fluem, saem e voam. Encontram corações e fazem morada. Ou ficam por apenas um segundo. Ou não ficam. Mas eles seguem viagem. E voltam trazendo notícias do mundo de lá.

Curiosa essa escritora com nome de bicho, que gosta de crianças; que quer ter sempre o olhar como o delas. E que, se dizendo escritora infantil, mesmo assim se sente em dívida de sinceridade com o amigo leitor adulto. Escritora teimosa que fala de tudo, mas que teima em não falar de amor.

Ah escritora danada. Aprende que não é você que escolhe as palavras; elas é que fazem morada no seu coração e passeiam pelos seus dedos. Aprende escritora com nome de bicho. Nessa brincadeira, você é sempre a pega.

Feliz dia do escritor.
Beijinhos
Fê Coelho

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Sobre sementes e a vida



Viver é enterrar sementes, refleti dia desses, enquanto dirigia para o trabalho. O sol ainda nascia. A estrada à minha frente me lembrava das cobertas que tão sonolenta abandonei. E tive certeza: cada dia é um novo plantio. Todo alvorecer traz consigo o germe do que ainda está por vir, daquilo que supomos, sonhamos ou negamos. Cada amanhecer encerra em si uma gama de possibilidades. É como se nos levantássemos para isso: plantar.

Um bom dia que se deseja é simpatia plantada no coração do outro. Os olhares, os sorrisos, as intenções, as ações e omissões – tudo isso é semente lançada em terreno fértil. E não se engane, cedo ou tarde elas acabam dando frutos.  Por onde passamos, em todas as relações que estabelecemos lá estão eles nos lembrando do tempo do plantio, da oportunidade aproveitada ou perdida de se escolher a semente certa.
As sementes que plantamos podem nos render árvores frondosas, sob as quais descansamos após anos. Tanto tempo depois, ainda se pode ver o resultado do plantio. Da mesma forma, podem se tornar espinheiros, que nos ferem e atravancam o caminho. Tudo passa pelas escolhas, pela intenção de plantar, pela decisão de viver.

Viver intencionalmente é escolher o que se vai semear. É não sair por aí apenas lançando ações ao acaso. Viver por querer é ter coragem de separar os frutos que se pretende plantar. Ora, não creio que alguém espere semear laranjas e colher alfaces. Da mesma forma que não se pode espalhar discórdia e esperar ter em troca aquela paz duradoura e amparada por ombros que sempre souberam que podiam se apoiar nos seus. Viver por querer é preencher a própria história com fatos, gostos, afetos e doações.

Claro, não se pode escolher as sementes que plantam em nós. Nem sempre, pelo menos. Muitas vezes somos brindados com algumas com as quais preferiríamos não lidar. Tristeza é coisa que aparece, desamor também. A verdade que plantamos pode não ser a que recebemos. Somos terreno arado e fértil, mas temos a opção de escolher que árvores serão adubadas e regadas. Podemos simplesmente não alimentar aquilo que não acrescenta.

Isso é viver bonito, creio eu. Isso é uma maneira de manter o olhar atento, os sentidos aguçados. É uma forma de tentar tirar o melhor de cada momento em que estamos por aqui, nesse mundão velho e sem porteira. Ter a consciência de que todo dia é um plantio nos faz entender  que cedo ou tarde os frutos chegam. E que sejam doces. E que sejam de paz. E que nos façam crer que cada dia de semeadura valeu a pena.

Beijinhos
Fê Coelho.


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