sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Das Negativas



Estive aqui pensando sobre os revezes com os quais muitas vezes somos brindados pela vida. Estive aqui refletindo sobre quantos trancos uma pessoa tem que aguentar nessa sucessão de dias, fatos e saberes que é a existência de cada um. E matutei sobre as coisas que recebi de amigos e parentes. E acabei me detendo nos presentes que ganhei dos meus pais até hoje. A conclusão a que cheguei foi de que o maior de todos os tesouros que já recebi foi o Não.

O não, bem aplicado, me mostrou que existe uma coisa chamada limite. Fez-me compreender que posso ir até certo ponto com as pessoas; mas dali em diante, não! Entendi que é assim mesmo. Todos possuem um limite claro, ou pelo menos deveriam. A negativa mostra que não podemos tudo, não sabemos tudo, e não, não somos os melhores em tudo. O advérbio de negação ensina. Ah! Como ensina.

Quando criança eu sempre soube que não tinha exatamente os mesmos brinquedos que as outras crianças, pelo simples fato de alguns deles estarem fora do nosso poder de compra. Meus pais nunca tentaram nos dar coisas que não podiam e nos comunicavam claramente os motivos. Isso trouxe algumas consequências terríveis: aprendi a ser honesta no que digo; entendi que não posso ter tudo quanto queira; tornei-me feliz pelo que tenho, deixando o que não está em minhas mãos para lá. Horrível, eu sei.

Além disso, o não dos meus pais me deu forças para enfrentar as negativas da vida. Chamam isso de resiliência - que no bom português, é a capacidade de aguentar trancos, de voltar ao estado inicial depois de algum impacto. E não se engane, a vida nega. E como nega! Seu aumento não sai. O carro que você quer comprar só pode ser entregue na semana que vem. Você é reprovado em algum concurso por uma questão. O vestido lindo só está disponível num tamanho dois números menor. A fila demora. O dinheiro acaba. Algum amigo se afasta. A pessoa por quem você suspira simplesmente não te ama. Ou não te ama mais. Ou trai a sua confiança. Ou todas as coisas juntas. E não, você não vai poder gritar com o gerente, nem bater na velhinha que leva um ano pra atravessar a faixa de pedestre quando você está atrasado. Você não vai poder sair da sala do chefe batendo a porta, nem quebrar o braço da mocinha na balada porque ela não quis te beijar.

O não, aplicado na infância, é como vacina. Ele nos deixa mais fortes e resistentes às frustrações. E aplicado na vida adulta ele nos permite crescer. Vacina dói. O não também. Mas existem dores que se vão indo tão de mansinho para longe, que você só percebe que elas se foram quando já nem se lembra mais de procurá-las. E o que sobra é aprendizado.  

Não é pessoal. A maioria das vezes é só o vento soprando do jeito errado. Ou o tempo do outro que está reduzido. Ou o dinheiro. Ou os motivos. Ou a vontade. Ou quem sabe seja mesmo pessoal. Mas quem disse que podemos agradar sempre? Esse é só mais um não que a vida nos empresta, para nos lembrarmos que não somos o centro do universo. 

Por fim, preciso dizer o mais importante: o não me ensinou o valor do sim. E é a ele que me agarro todos os dias. Sim, o dia está lindo. Sim, tenho mil motivos para sorrir. Sim, tenho amigos leais. Sim, estou viva, forte e cheia de possibilidades de construir uma vida repleta de cor e luz. Sim, posso agregar tanto amor quanto queira. Porque sou responsável pelas escolhas que faço.

Acolho o não como professor. Recebo as negativas da vida como lição.

E a maior de todas as lições é que não preciso ser correnteza brava, que destrói as pedras pelas quais passa. Posso ser regato manso, que contorna os obstáculos e simplesmente vai. Pra frente, pra longe. E se perde da vista da gente, nalgum ponto alaranjado de ocaso.

Beijinhos
Fê Coelho.

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