quinta-feira, 18 de julho de 2013

Furdunço, Roupa Branca e Revolta



O clima de manifestações generalizadas está afetando as roupas no meu armário. Não, leitor, você não leu errado. E não, eu não estou me enchendo de roupas verdes e amarelas. Acontece que precisei adquirir algumas roupas brancas novas e a confusão foi feia. Se eu estou pirando de vez? E quem prometeu a você uma autora normal?

Tudo começou quando, após passar as novas roupas de trabalho, fui guardá-las. Abri a porta do guarda-roupa, pendurei as camisas brancas, fechei a porta e saí do quarto. Comecei, então, a ouvir um burburinho crescente, como se um circo de pulgas houvesse resolvido promover uma festa rave no diminuto móvel destinado a acomodar minhas vestimentas. Apurando um pouco melhor a audição, para saber o que acontecia, dei com o seguinte diálogo:

- Chega pra lá! – reclamava uma voz esganiçada.
- Chega você, que eu estou recém-passada! – retrucava outra, mais baixa
- Mas você está me apertando. – era a primeira voz
- Os incomodados que se retirem. – a segunda voz disse, resoluta.
- Branquela aguada, sem graça!
- Sua indiscreta!
- Sou como a primavera, baby. Seu recalque bate nas minhas flores e volta.

Nesse ponto, começou um ruído de coisas se batendo. Várias vozinhas agudas e balançantes gritavam em uníssono “pega ela!”, ao passo que outras mais ponderadas cantavam algo a respeito de não-violência, tolerância, paz, amor e – quase posso jurar – Hakuna Matata. Aproximei-me cautelosamente e abri a porta do guarda-roupa.

- Ok – eu disse, incrédula a respeito do que via – posso saber que furdunço é esse aqui?

Chegaram até mim os olhares mais culpados que se pode imaginar em objetos inanimados. Fez-se um silêncio daqueles que a gente pode partir com uma faca de pão.

- Vamos. Estou esperando. – Eu insisti.
- Foi ela! – disseram em uníssono, uma camisa branca e uma florida.

Decidi conversar com a camisa florida primeiro. Ela é mais antiga de casa; tem prioridade.

- Diga, flor, o que está havendo aqui?
- Agora você me trata assim, com jeitinho, né?! Primeiro arruma esse monte de branquelas, enfia aqui em casa, tira todo o meu espaço e depois finge que não aconteceu nada. Eu sabia que, cedo ou tarde, você ia acabar fazendo isso.

Como a camisa florida continuava furibunda, resolvi tentar a sorte com a novata. Tudo o que consegui foi um rolar de olhos e um assovio.

- Alguém? – Nenhuma resposta – Ninguém?
- Por que você não separa as roupas por cores? – arriscou a camisa florida.

Aí foi demais pra mim. Sentei-me na beira da cama e comecei um sermão.

- Olha, gente, eu sei que estamos passando por um período complicado aqui. São mudanças demais, em tempo de menos. Compreendo que vocês estejam assustados, pensando que seria melhor ficarmos como estávamos, bem acomodados em nossa zona de conforto. Acontece que é assim mesmo que as coisas funcionam. Mudanças causam incômodo, mas são elas que impulsionam a vida. Vocês precisam aceitar que estamos num outro momento e trabalhar para lidar melhor com as diferenças. Aceitem os coleguinhas que chegaram e sejam gentis. Tenho certeza de que belíssimas combinações poderão surgir entre vocês. Quanto à ideia de separar por cores, eu sei que os especialistas recomendam; mas isso seria apartheid. E não vou tolerar saber que dentro do meu próprio armário acontece segregação, bullying e essas coisas. Comportem-se!

E para provar que tenho a firme resolução de manter a paz naquele espaço confinado, deixei todas as peças de castigo, se abraçando até que decida usá-las. Difícil, vai ser encontrar os cabides que fizeram greve e se mudaram para a Conxinxina do Sul.

Quem foi mesmo que te prometeu uma autora normal?

Beijinhos
Fê Coelho.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Legislação



Quando acaba a bateria do celular, é como se parasse um marcapasso. Sou capaz de apostar um dente da frente como, em pelo menos algum momento, essa frase já se encaixou perfeitamente na vida de grande parte da população ocidental. A cada novo G que acrescentam à tecnologia de telecomunicações, a cada aplicativo e funcionalidade sinto que ficamos progressivamente atrelados ao telefone móvel. Não é de se espantar que já haja legislação específica, regulamentando os eventos relacionados ao funcionamento do celular: a Lei de Murphy.

Segundo essa lei, se a bateria estiver cheia, o telefone não será necessário. Ele só passará a ser de vital importância quando a carga for reduzida até por volta de 15% do total. Nesse ponto, meu amigo, você começará a esperar por uma ligação importantíssima; ou quem sabe chegue ao supermercado e esqueça sumariamente o que lhe pediram para comprar. Com 15% de bateria, os pneus dos carros furam, os engarrafamentos acontecem, as pessoas se perdem e as tias que moram em São José das Ribanceiras resolvem ligar - exatamente quando você esperava uma ligação para resolver algo importantíssimo.

Outro ponto estabelecido pela Lei de Murphy a respeito das telecomunicações é que se você estiver com o telefone o tempo todo, o número de ligações que vai receber cai pela metade. Isso explica o fato de as pessoas levarem o celular para a cama, para o trabalho, para o banheiro, para o País das Maravilhas e não receberem ligações; ao passo que, esquecendo-o por um período do dia ou ficando sem bateria, elas são contactadas até por entidades do além.

Com relação às mensagens de texto, a Lei de Murphy postula no artigo 547, parágrafo 2º, inciso I que "para cada mensagem importante esperada, há sempre cinco completamente inúteis destinadas; quatro delas de responsabilidade das operadoras de telefonia móvel". É lei, gente! Exatamente por isso, quando estamos ansiosos para receber uma mensagem, somos bombardeados com dicas para arrasar na balada, oportunidades de ganhar tablets e vejam só! carros zero km, assim, do nada.

O sinal da telefonia móvel também é regulado e está destinado a cair quando você precisar responder a uma mensagem, seja por SMS, whatsapp ou o que for. Se for importante que a resposta chegue ou ainda, se a falta dela puder ser interpretada como um silêncio constrangedor, não haverá sinal disponível num raio de 150 léguas.

Ora, então por que diabos ainda insistimos em usar os telefones celulares? Porque apesar de toda essa regulamentação contrária à nossa vontade, eles ainda funcionam bem. São úteis, versáteis e concentram em si uma gama de funcionalidades que nos libera de carregarmos peso extra. Imaginem como seria carregar conosco agendinhas telefônicas, agendas, câmera fotográfica, GPS, notebook, despertador, bússola, edições e edições da Barsa, álbuns de fotografia, CD player e outras tantas coisas que são espremidas sem dificuldade no pequeno aparelho? Difícil, muito difícil...

É por isso que eu digo: estamos perdidos, leitor! Pusemos todos os recursos num dispositivo só. E valha-me Deus, ele é regulado pela Lei de Murphy. É por isso que quando acaba a bateria do celular, e ela finda nos momentos mais impróprios, a sensação que temos é de que parou um marcapasso. Aproveitemos, então, enquanto o pulso ainda pulsa.

Beijinhos
Fê Coelho

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Lar



Lar é onde a gente descansa o bumbum - disse um dos meus personagens infantis favoritos: o Pumba. Ainda  hoje acredito que ele tenha acertado em parte, visto que lar é onde nossos melhores pensamentos repousam, para onde vamos sempre que podemos e por escolha, sem o peso de estar por força das circunstâncias. Um lar passa bem longe de ser apenas um dormitório.

Não sei por que razão eu insisto em discutir assuntos já consolidados no imaginário coletivo. Talvez porque pense demais, talvez porque saiba de menos. Fato é que andei refletindo e concluí que nosso lar pode não coincidir com o lugar em que moramos, especialmente porque esse termo me parece trazer consigo uma carga emocional. Sinto que não existe um lar sem vínculos. Quero dizer, alojamento, dormitório, casa ou outro desses termos que apenas necessitam de tijolos, argamassa e teto para existir, qualquer lugar pode ser; ao passo que para ser chamado de lar, um lugar precisa ter afeto. É necessário que se fixe raízes, que se esteja emocionalmente ligado ao espaço, ou às pessoas ali.

Caso até bem recentemente me perguntassem se alguém poderia ter um lar e ainda assim não habitá-lo, eu riria e diria que não. Ora, que pergunta mais sem pé nem cabeça! Acontece que hoje eu levanto a bandeira contrária. Não duvide, o leitor, dos melindres do tempo; nem se feche à possibilidade de que os caminhos que estamos destinados a percorrer sejam bem mais inusitados que o previsto. A vida é senhora de hábitos arrevesados. Ela não se curva às definições e, tampouco, aos itinerários que traçamos. Aliás, obrigar-nos ao plano B é algo que sempre lhe apraz. É, portanto, essa inexatidão que me obriga a hoje dizer que sim, o lar e a residência de uma pessoa podem estar em logradouros distintos.

Experimentei essa dualidade recentemente e por um tempo que, devo dizer, me fez crescer além do que eu supunha. Tive minha residência, lugar para comer, dormir, escrever e tecer sonhos; e tive meu lar, onde viviam as duas metades de meu coração e para onde eu fugia às menores pausas. E acontece que ganhei um presente daqueles: a oportunidade ímpar de unir meu lar à minha moradia. Não é maravilhoso?

Ora, não seria esse um processo automático? Para alguns, talvez; mas para mim, será necessário transformar o lar em minha moradia outra vez. Se lar é recanto onde o coração fica confortável como quem usa pantufas num dia frio, casa é onde as roupas deixam as malas, onde o tapete está sempre ao lado da cama, é para onde migram os livros, o conjunto de canecas favoritas, os porta-retratos os hábitos e o cotidiano.

A isso, as pessoas costumam dar o nome de mudança - o que por si só já traz um quê de incômodo. Somos muito aferrados à zona de conforto, o que torna o novo um estopim para o temor. De maneira que, ao invés de dizer que tenho uma mudança para fazer, prefiro acreditar apenas que tenho um lar ao qual me achegar.

Timão e Pumba me permitam um acréscimo: lar é onde a gente descansa o bumbum; mas é também onde aquecemos e repousamos o coração.

Beijinhos
Fê Coelho

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Correntes



Meu telefone vibrou. Opa! Mensagem. Fui verificar o que era. Poxa vida, mais uma corrente... Quem nunca passou por isso, que envie as primeiras cópias para quinze pessoas e evite uma desgraça de proporção continental.

Se tem algo que me faz sentir preguiça, essa coisa é a tal da corrente. E é desafeto antigo. Entra ano e sai ano, mudam-se as formas de comunicação e elas permanecem lá, circulando, circulando e azucrinando as ideias da gente. Acho que se um dia as teorias da conspiração se confirmarem e realmente ocorrer uma guerra nuclear, as baratas repassarão correntes umas para as outras. Tudo o que eu me pergunto é "por que, gente? Por que?"

 Meus primeiros contatos com essa forma de azucrinação ocorreram ainda na infância. Naquela época, as correntes viajavam por quilômetros, de carona nas bolsas dos carteiros. Chegavam, não me lembro se com ou sem destinatário, e traziam consigo instruções muito específicas: faça vinte cópias; anexe uma nota de cinco mil cruzeiros; encaminhe para vinte pessoas em até sete dias; não guarde essa cópia; guarde essa cópia dentro da gaveta de meias por cinco luas novas; queime essa cópia da direita para a esquerda, embaixo do chuveiro. Tudo bem, exagerei; mas eu me lembro bem de que havia uma lista de pelo menos sete itens a serem cumpridos.

Junto com as correntes, chegavam promessas de bonança sem fim a quem as repassasse. Zé das Couves enviou a corrente e ganhou na loteria. João Leitão esqueceu de repassar a corrente e foi à falência. Desesperado, enviou cartas ao dobro de pessoas e - vejam só, que maravilha! - achou um poço de petróleo no meio do sertão. Mas o pior das correntes era a parte do agouro. Eu tremia diante da possibilidade de que pudéssemos morrer todos de uma vez só, se não passássemos o azar para o próximo.

Fico aqui imaginando como tudo isso começou. Alguém sabe me responder? Pensando de forma lógica, e supondo que correntes não se materializam do nada, só me resta concluir que alguém nesse mundo separou um tempo para escrever um texto destinado a - como é que eles dizem mesmo? - rodar o mundo todo por anos a fio. O autor devia gargalhar até a barriga doer, pensando em quanta gente ia passar aquela história sem pé nem cabeça para frente. Ah sim. E tem a parte em que eles diziam que a corrente nunca foi quebrada. Engano, companheiro. Chegou em mim, já era!

Nossa Senhora da Correntinha que me perdoe, o Instituto dos Desvalidos também. Que o Whatsapp passe a cobrar uma fortuna; que o Facebook fique preto com bolinha roxa; que todas as contas de e-mail do mundo sejam desativadas; pouco me importa. Não repasso corrente! Não vou dizer que nunca tenha feito isso. Houve um tempo em que eu era um pouco mais crédula, ou mais medrosa, vá saber. Mas sou uma pessoa regenerada, acreditem.

Se minha vida estaria melhor, caso houvesse repassado as correntes do finado MSN? Vá saber. Mas nesse ponto, tenho que concordar com Aslam - o Grande Leão de Nárnia: "dizer o que teria acontecido? Não, a ninguém jamais se diz isso."

Independente de ameaças ou bonanças, eu e correntes não nos damos bem. Não as repasso, nem arrasto. E fim de papo.

Beijinhos
Fê Coelho
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