terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Uai, gente! Uma crônica sobre sotaques.



Num país tão grande e com tanta variedade cultural como o Brasil, acho engraçado ver as pessoas se criticando mutuamente por seus costumes, coloração da pele, crenças e valores. Esses seriam assuntos para vários textos cheios de argumentos inflamados a respeito da distinção entre as pessoas e sobre como essas diferenças colocam a todos nós no mesmo balaio; mas hoje não quero falar disso não. Quero falar é da musicalidade, da particularidade que existe no jeito de falar, no erre que se puxa, no dê que se pronuncia diferente, para dar um bom Dia ajeitaDinho, na riqueza dos vários sotaques do nosso povo.

Sou goiana da Silva Sauro, vinda de família mineira. Logo, puxo o erre por nascença e falo uai, troço, negócio e trem para todas as palavras que me fogem no momento. Tenho um sotaque carregado de histórias, causos, coisas que ouvi e dos exemplos que tive. Acredito, sinceramente que isso não vá mudar, embora na adolescência eu tenha apresentado uma tendência a disfarçar meu goianês.

Àquela época, eu fazia o possível para não puxar o erre. Acontece que um deles sempre pulava a janela e escapava na forrrma de uma porrrrta bem aberrrta. E eu me sentia envergonhada quando os colegas que não eram goianos brincavam a respeito disso. Era como se puxar o erre fosse algo que denegrisse toda a esperteza que eu julgava ter. Eu ficava vermelha como uma pimenta e passava o restante do dia tentando "falar direito".

Ainda hoje, agora morando em Brasília, encontro pessoas para brincarem com o meu goianês. Acontece que algo fundamental mudou: eu não me importo mais! Puxo o erre sem medo de ser feliz, porque sei o que o meu sotaque representa. Ele é um retrato (literalmente) falado da minha história, é um testemunho a respeito do meu local de origem, dos meus costumes, das minhas raízes. É o que me recorda muitas vezes a simplicidade que tanto respeito nas pessoas.

Meu erre puxado faz lembrar dos finais de tarde na casa da madrinha Delfina, sentada nas cadeiras de fio, tomando cafezinho passado na hora e comendo peta (um biscoito que ela caprichosamente assava com o formato da inicial do nome de cada uma das crianças). Aquela era a hora dos causos, das histórias, das risadas. Era hora de aprender a respeitar os mais velhos, a ouvir e a admirar a própria origem. Meu jeito de falar me recorda de Minas, na fazenda da tia Dulce, quando a gente descia os morros gramados em cima de sacos de arroz e fazia da grama o melhor tobogã de todos os tempos. Me lembra da Vó Joana, brigando com a gente, quando a gente fazia "ventagem" (bagunça) e pedindo pra gente "sungar" (erguer) alguma coisa, porque a "cacunda" (coluna) dela já não era mais a mesma. Meu jeito de falar me faz perceber que tenho orgulho do que sou, de onde vim e de tudo o que diz respeito à minha origem.

Acho sotaque uma coisa bonita demais de se ouvir, porque ali se encontra a história do nosso povo. A variedade é uma das marcas do nosso país - grande, colorido e mesclado como só ele sabe ser.

Daí que duas coisas precisam ser feitas: uma delas é o respeito, que precisa nascer; a outra é o orgulho, que precisa aflorar. Precisamos respeitar a origem do outro, sua forma de falar, suas expressões e costumes. Precisamos parar de nos referir aos sotaques como algo do qual as pessoas devam se envergonhar. E mais: devemos ter orgulho genuíno de quem somos, respeitar nossa origem e honrar nossas raízes. Afinal de contas, quem pode pisar sobre uma pessoa que está de pé?

Uai, gente! Sotaque é bacana. É a maneira pela qual nos identificamos como parte de um grande grupo, com sua cultura, seu jeito de ser, fazer e pensar. Sotaque é bonito, especialmente pra quem sabe apreciar.


Beijinhos
Fê Coelho.
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