terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sobre o dia em que obdeci aos meus sapatos.



Há alguns dias eu quis me sentar no chão do metrô, mas não pude.
Se havia espaço? Sim. Havia espaço de sobra. E não, não havia bancos disponíveis.
Se minha roupa poderia ficar estragada? Não. Eu estava de calça jeans.
Se eu estava cansada? O suficiente para cogitar a possibilidade de me sentar no chão.

Então o que (seria mais adequado dizer "quem") me impediu? Meus scarpins. Ok, eu sei que a resposta foi estranha - pra dizer o mínimo - mas eu posso tentar justificar, não? Vamos aos argumentos.


A despeito do aviso de que é proibido se agachar ou sentar no piso dos trens, várias pessoas sucumbem à tentação. A volta para casa é longa, não há bancos para todos, estão todos cansados e essas coisas que quem usa transporte coletivo conhece. Assim sendo, é perfeitamente corriqueiro ver várias pessoas sentadas no soalho nas extremidades dos vagões. Alguns inclusive se apoderam do espaço reservado para usuários de cadeira de rodas, entretanto essa é conversa para outro post.


Eu devo dizer que por duas vezes já me juntei à turba dos "sem- assento", mas eram dias difíceis. Acontece que o dia em questão havia sido um desses dias complicados. Eu estava mor-ti-nha de cansaço. Então por que não me sentei no soalho do trem? Já disse. Meus scarpins não me deixaram.

Foi um diálogo mental, o que se deu quando minhas pernas começaram a fraquejar.

- Que diabos você pensa que está fazendo? - eles perguntaram enfurecidos.
- Vou me sentar. - respondi irritada.
- Ah sim, ela vai se sentar - disse o sapato esquerdo para o direito. (o sapato esquerdo é mais liberal)
- Nem F@#&ndo, ela vai se sentar no piso do trem.
- Mas tem um monte de gente sentado! - eu argumentei.
- Sim, tem um monte de gente sentado - disse o scarpin esquerdo, meu favorito (tudo bem que eu sou canhota)
- Mas observe as roupas de quem está sentado no chão! - Exigiu o chato scarpin direito.

E eu observei.

As pessoas largadas no chão estavam de bermudas, calças jeans, sandálias rasteirinhas e tênis. Todas com roupas informais e descontraídas.

- Está vendo? - disse o scarpin direito - Não tem uma só pessoa de scarpins sentada no chão.
- Sim, estou vendo - pensei eu, mal humorada, reconhecendo que ele estava certo. - Você é um chato, insuportável.
- Que seja, minha filha, mas mantenha o mínimo de dignidade. Você quis ir para o trabalho usando scarpins. Sabia que passaria doze horas de pé e que teria que voltar para casa de metrô. Você sabia de tudo e, ainda assim, nos tirou do armário. Agora aguente firme. Não vá perder a classe no último instante.

Olhei para o scarpin esquerdo, procurando um pouco de apoio. Ele estava assoviando. Filho da puta!

Morta de cansaço, desalentada e traída, eu terminei a viagem de trem em pé - cheia de uma dignidade pra lá de dolorida.

Quanto aos sapatos palpiteiros? Bem, eles não saíram do armário depois desse dia.

Beijinhos

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Desisto da guerra



Meus queridos amigos.

Estou aqui hoje para dizer que desisto. Desisti de ser e fazer somente o que eu quero e de não aturar aquilo que me irrita. Desisti de ignorar as pessoas irritadas comigo, por não fazer o que todo mundo faz. Entendi que precisamos fazer o que é necessário e que não importa se você adora ser um azul berrante, caso ele distoe demais num quadro todo em tons bebê - claro que isso aí poderia ser a graça da obra, mas enfim...

Compreendi que, embora as pulsões se originem dentro de nós, isso não impede que sejam modeladas e moderadas pelos valores e expectativas das pessoas ao nosso redor. E percebi: essas pessoas esperam que você se enquadre. E acredite: mais cedo ou mais tarde você vai se enquadrar.


Não que isso seja só uma coisa ruim. O que algumas pessoas podem chamar de sucumbir, amansar o espírito, e ser domesticado pode - sob outro ponto de vista, sempre outro ponto de vista - ser chamado simplesmente de amadurecimento.

Quem vê esse tipo de texto pode pensar que sou uma pessoa avessa às convenções sociais. Pelo contrário, sou até uma criatura muitíssimo normal. Mas algumas coisas - algumas pequenas coisas - eu gostava de fazer do meu jeito.

Uma dessas míseras concessões que fazia a mim mesma era me ver livre do telefone celular, e já expliquei aqui os motivos para isso. Mas, em virtude das pressões sociais, eu me rendi. Peguei o bicho de volta, mandei consertar a pecinha que estava quebrada, pus para carregar e agora estou em fase de condicionamento - para me obrigar a manter ele carregado e perceber quando ele toca.

Acho que mudar faz parte da vida e de ser uma pessoa melhor. Em alguns casos, bater o pé e querer ficar como éramos é sinal de que a pessoa não quer crescer. Bem, pois eu abro mão da minha síndrome de Peter Pan. Vou crescer até onde puder. E vou me adequar, dentro do que achar necessário.

Vou ter metas e objetivos claros, bem traçados e planejados. E vou aprender a manter o raio do telefone celular funcionando. Quem sabe, quando eu estiver acostumada com ele, eu me dê um telefone bem "modernoso" de presente.

Falando nisso, onde foi que eu deixei ele mesmo?

Beijinhos

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Resumo da Felicidade


Então aquilo não era um sonho. Estava mesmo sob aquela luz pálida de um dia que nasce. A pouca claridade se filtrava pelas frestas da janela e ela suspirava, tentando assimilar a grandiosidade de tudo o que se passara.

Sua vida seria outra dali para frente. Teria outro sentido. Ela se recostou melhor nos travesseiros e sorriu. Tranquilamente. Esperando por respostas que passaria a vida para tentar encontrar. Antecipando o sabor de cada descoberta. O futuro lhe sorria, misterioso, imprevisível, inabalável. Ela não tinha medo.

Queria acertar. Desejava poder fazer tudo certo e aproveitar cada um dos dias que se descortinavam à sua frente, como as promessas de uma manhã ensolarada, sem nuvens ou perturbações.

Seria o melhor que pudesse. Sensata, corajosa, amorosa, criativa, brava, carinhosa, responsável. Erraria querendo acertar, acertaria quando achasse que estava errada. Teria hábitos saudáveis, mudaria o mundo, faria greve de fome, de sono e de compra de sapatos. Viraria o rosto se passasse por uma vitrine em liquidação. Faria mil coisas ao mesmo tempo. E não se cansaria de tentar, de repetir e de viver.

Virou o rosto para o lado. Viu os primeiros raios de sol do dia, iluminando aquele pequeno ser de respiração acelerada, de olhos fechados e boca entreaberta, imerso num sono tão tranquilo, que só poderia ser o resumo da própria felicidade.



Para quem gostou do assunto, vale dar uma olhada em algumas reflexões sobre a maternidade e também na maneira como aprendi a diferença entre agradecer e se sentir grato.


Beijinhos

sábado, 13 de novembro de 2010

Sete vidas


Susana acordou diferente esta manhã. Sei que ela sente saudades da cidade em que vivíamos. Sei também que nunca mais foi a mesma, desde o dia em que disse adeus ao homem que amou durante tantos anos. Eu ouvi o barulho de seus movimentos na cama. Sei que ela não dormiu bem.

Se eu pudesse, ensinaria alguns segredos a ela. Se pudéssemos conversar, diria a ela que tudo isso passa e que o tempo ensina coisas que não imaginamos. Se ela ao menos me ouvisse...

Percebi quando Susana se levantou. Vi quando ela colocou seu melhor vestido e penteou os cabelos, prendendo-os em um coque, da mesma maneira que costumava fazer para sair com o marido. Ela sempre se fazia bonita para vê-lo. Era assim que as coisas eram. Sei que ela sente falta de tudo.

Ouvi seus passos solitários e silenciosos, caminhando até a porta. Ela saiu de casa e caminhou até a praia. Eu a segui até onde as ondas chegavam de leve. Susana ficou parada, olhando para o horizonte. Uma lágrima rolou de seus olhos. Ela passou os braços ao redor de sua cintura e inesperadamente sorriu.

Talvez ela tivesse finalmente compreendido que a vida sempre segue o seu curso. Talvez ela houvesse entendido que, embora seja um lugar-comum, as águas sempre correm para o mar. Susana estava finalmente se despedindo de seu marido da maneira que devia.

Ela soprou um beijo para o infinito e sorriu novamente. Afinal de contas, embora Tony não estivesse mais vivo, ela ainda tinha uma vida para tocar.

Eu sorri por dentro, sabendo que, se Susana ainda tinha uma vida, eu tinha sete.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma lembrança em dourado



Larissa sentiu o frio do metal dourado em seu dedo anelar esquerdo.

- Larissa, recebe essa aliança em sinal do meu amor e da minha fidelidade.

E ela já não ouvia nada.

Estava na praia, num final de tarde alaranjado e fresco. Caminhava com pés descalços, segurando as sandálias na mão direita. O vento brincava com seus cabelos, jogando-os em seu rosto e embaraçando as madeixas cor de fogo. Não tinha preocupações ou grandes questionamentos espiralando em sua mente, mas caminhava para esvaziá-la do pouco que lá havia.

Em dado momento, sentou-se para admirar o mar. Havia poucas pessoas na água tingida de ocaso. Ela estava tranquila.

- Está bonito mesmo, não?

Larissa sobressaltou-se. Não conhecia aquela voz e nem esperava encontrar alguém sentado ao seu lado. Aquele era um momento só seu. Não queria dividi-lo. Irritou-se.

- Desculpe, mas não te conheço.
- E precisa me conhecer para aceitar o fato de que esse por-do-sol está divino?

Levantou-se e ia saindo de perto do moço de olhos negros e sorriso travesso, quando sentiu uma mão ao redor de seu pulso.

- Me faça companhia. Quero dividir esse por-do-sol com uma bela mulher e você é a única disponível num raio de quilômetros.
- Lisongeiro, mas atrevido demais para o meu gosto. Eu vou nessa, garoto. Fique aí com sua falta de companhia adequada.
- Falo sério. Por favor, me faça companhia e eu te pago um sorvete de limão. Parece ser o seu sabor favorito.
- Ameixa seria melhor - e ela sorriu pela primeira vez.
- Ameixa, então.

Larissa piscou. Uma lágrima rolou por sua bochecha. Rubens ainda tinha o mesmo sorriso travesso do primeiro encontro.
- Eu te amo - ela disse.

E Rubens beijou-lhe a mão adornada de dourado.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Selinho

Acordei meio com preguiça hoje. Já estava quase cabulando o login do blogger, mas resolvi que queria postar alguma coisa. E foi quando encontrei a surpresa: A Mi, do Blog da Michele me deu o selinho de presente. Muito obrigada, Michele, pelo carinho.

Agora vou indicar cinco blogs que deverão:
1- Exibir a imagem do selo
2- Exibir o link do blog que te indicou
3- Escolher cinco blogs para indicar o selo e avisá-los.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Ex



Encontrei-me com Elisângela em frente à nova butique num dia frio de julho. Era uma quarta feira e eu me arrastava de volta do trabalho para casa. Estava cansada até a raiz dos cabelos, mas conseguia manter o mínimo de dignidade sobre meus saltos 15.

Lá vinha ela, loura e alta, com um casaco sete oitavos creme lindíssimo, uma calça reta e scarpins que me fariam penhorar meu anel de diamantes mais raro – caso eu tivesse um. E eu aqui, morta de cansaço, segurando uma sacola de marca com uma marmita dentro – claro, tomando o cuidado de cobrir tudo isso com um lenço de seda lindíssimo.


Ela se aproximava tranquilamente, com o andar despreocupado e fluido das mulheres que não precisam de nada além de belos brincos e cabelos hidratados na cabeça. Como eu detestava vê-la assim, serena. Queria que ela fosse obrigada a pegar metrô e a andar à pé. Queria que ela enfiasse o salto nas frestas das calçadas, e que se descabelasse entre um compromisso e outro. Desejava ardentemente que ela ficasse semanas sem fazer a unha e que tivesse que aprender a se virar sozinha. Queria que ela tivesse que comer marmi...


- Elis, querida. Tudo bem?

- Oi Ana. (Dois beijinhos, aqui). Tudo certo e você? Como vão as crianças?
- Estão ótimos. Me divirto muito com eles.
- Ana, querida. Mas que blusa maravilhosa você está usando! Ficou tão bem em você.
- Ah, sim. (Cara de esnobe, aqui). Comprei essa blusa numa viagem recente a trabalho. Era uma lojinha pequena e super charmosa na Champs Élysées. Custou uma fortuna, mas de vez em quando é bom a gente se dar um presente, não?
- Claro que sim. (Um sorriso irônico aqui. Será que ela desconfia de mim? Vaca!). Depois me passe o nome da loja. Será um prazer visitá-la na minha próxima ida a Paris.
- Sem problemas. Aposto que a Claire vai te atender como a uma rainha.

Mais dois beijinhos e ela se foi, andando fluidamente como se o mundo estivesse parado ao seu redor.


E eu fiquei aqui, na mesma calçada pensando se ria ou não. Ela nunca saberia a real origem da blusa. Nem sob tortura eu contaria que a encontrei num monte de roupas em promoção numa loja de departamentos em Quiriquiqui da Serra, quando fui visitar meus parentes. Jamais confessaria que dei uma cotovelada numa velhinha de setenta e dois anos, que queria levar a malfadada blusa para uma neta de vinte e cinco anos, cega e que fazia aniversário naquele dia. Elisangela poderia enfiar agulhas sob as minhas unhas, mas eu nunca admitiria o fato de ter passados quase um dia inteiro rebordando a estampa da blusa, para que ela parecesse mais refinada. E você se engana redondamente se acha que vou contar como isso tudo aconteceu depois que a vigarista da Elisangela me roubou o meu marido.



Soltei uma gargalhada e pensei: Deus conserve essa vaca longe de Quiriquiqui da Serra. Ainda bem que o Mario nunca gostou da minha família.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sobre cabelos e família

Há algum tempo me ocorreu, talvez, uma das comparações mais malucas que já fiz: famílias têm muito a ver com cabelos. A idéia me surgiu enquanto secava minhas madeixas. É incrível como a mente pode voar enquanto fazemos alguma coisa tediosa, não?

Eu já havia quase me desembaraçado da tarefa de modelar os fios, quando uma mecha particularmente geniosa me chamou a atenção. Foi então que me veio o estalo: sempre existe uma mecha ruim. Sempre tem aquela parte do cabelo que dá mais trabalho. Assim são as famílias. Vamos às semelhanças.

Assim como nos cabelos, as famílias sempre têm uma “mecha” ruim (ou várias). Há sempre aquele parente que, por um motivo ou outro, sempre dá trabalho. É aquela pessoa que nunca está do jeito que deveria. Dá trabalho nas festas da família, arruma confusão, deixa todo mundo maluco. É aquela mecha de cabelo que está sempre do jeito errado: se você seca o cabelo com as pontas pra dentro, ela fica com as pontas pra fora; é a primeira que arrepia e a que parece sempre estar de mau humor.


Já viram aquela família que parece de comercial de margarina? E cabelo de capa de revista? Pois bem. Saibam que os dois tiveram seus defeitos cui-da-do-sa-men-te escondidos. Precedendo aquele visual meticulosamente arrumado, não se engane, há sempre muito secador, chapinha, bobes, baby liss e produtos high tech envolvidos. E quanto às famílias? Há sempre segredinhos bem guardados, gentilezas, mentirinhas brancas e ciuminhos reprimidos. Os verdadeiros bafafás nunca chegam à tona. Notem que estou falando das famílias tidas como perfeitas, as normais são diferentes e depois falaremos disso.


Outra coisa que pode servir para exemplificar minha ideia maluca é o fato de que estamos sempre pensando que o cabelo (ou a família) dos outros é ótimo. Você vê aquele cabelo liso, chapado, brilhante, que acorda sempre arrumado e diz: nossa, seu cabelo é perfeito! A resposta? Uma lista de defeitos. Ou a pessoa reclama porque ele é muito liso e não há nada que pare nele, ou a pessoa reclama porque é muito enrolado, difícil de cuidar, armado, tem a cor feia, é oleoso, seco, o corte não está bom e por aí vai. Quanto às famílias? Bem, basta ver a quantidade de adolescentes que acha a mãe dos amigos muito mais legal que a sua própria genitora. Aí está a semelhança. E sempre tem alguém que diga – da família ou do cabelo, não importa – “até que é legalzinho (a), mas você não acredita no trabalho que dá”.


E vivemos tentando uma forma de mudar os dois. Tentamos modular o comportamento das pessoas, fazemos críticas, damos conselhos, enchemos o saco, argumentamos, discutimos, conversamos, elogiamos, pintamos, hidratamos, cortamos, secamos, enrolamos, alisamos, reclamamos, nos orgulhamos. O que importa é não parar de tentar mudar, não é?

Pois bem. Familiares e cabelos, os dois se cansam disso tudo. Uma hora ou outra, acabam cobrando os danos causados. Aí surgem as brigas, as desavenças, as cobranças, as pontas duplas, a quebra, a queda. Então corrigimos tudo: fazemos as pazes com a família e os cabelos, cuidamos direitinho, para quando estiver tudo certo, repetirmos tudo novamente.


É uma convivência meio doida, desgastante e maravilhosa ao mesmo tempo.


E pra finalizar, ocorreu-me a coincidência mais fiel e talvez a que acabe com uma possível rabugice do texto. Reclamamos, mexemos e tentamos mudar nossas famílias e nossos cabelos, mas eles são fundamentais. Por mais que dêem trabalho, os fios e a família permitem que nosso sorriso apareça mais bonito.
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